V Congresso Nacional de Arte-Educação na Escola para Todos - MEC 

ARTE NA EDUCAÇÃO PARA TODOS
Ana Mae Barbosa

%HOTWORDINICIODOTEXTO%O Movimento de Arte para a Recuperação Social vem demonstrando a necessidade da Arte para todos os seres humanos, por mais desumanas que tenham sido as condições que a vida impôs a alguém.

Basta que o cérebro funcione, basta não estar em estado de coma para ser possível estabelecer alguma ligação com a Arte ou através dela.

Das ONGs que trabalham com os excluídos, esquecidos ou desprivilegiados da sociedade, todas as que vêm obtendo sucesso têm trabalhado com Arte e até estão ensinando às escolas a lição da Arte como caminho para recuperar o que é humano no ser humano.

O ensino/aprendizagem da Arte é obrigatório pela LDB na escola fundamental e no ensino médio. Contudo, algumas escolas estão incluindo a Arte apenas numa das séries de cada um desses níveis porque a LDB não explicitou que seu ensino é obrigatório em todas as séries. Daí a necessidade de esclarecimento, e até mesmo campanha, em favor da Arte na Escola.

Nem a mera obrigatoriedade nem o reconhecimento de necessidade são suficientes para garantir a existência da Arte no currículo para todas as crianças. Tão pouco é garantida uma experiência estética que torne os estudantes aptos para entender o mundo visual que os cerca, isto é, a imagem, definidora da condição pós-moderna contemporânea.

Somente a ação inteligente e empática do professor pode tornar a Arte ingrediente essencial para favorecer o crescimento individual e o comportamento de cidadão como fruidor de cultura e conhecedor da construção de sua própria nação.

Todo brasileiro e brasileira tem garantido pela Constituição o direito de através da Arte contemplar sua própria Cultura e a dos outros, qualquer que seja o seu nível intelectual e/ou a diferença física, mental ou social que ameaça separá-lo /a dos outros que constituem a maioria.

Portanto, os poderes públicos, além de reservarem um lugar para a Arte no currículo e se preocuparem em como a arte é ensinada, precisam propiciar meios para que os professores desenvolvam a capacidade de compreender, conceber e fruir Arte. Sem a experiência do prazer da Arte, por parte de professores e alunos, nenhuma teoria de Arte/Educação será reconstrutora.


Em minha experiência tenho visto que as artes visuais ainda estão sendo ensinadas como desenho geométrico, seguindo a tradição positivista, ou continuam a serem utilizadas principalmente na comemoração de festas, na produção de presentes muitas vezes estereotipados para os dias das mães ou dos pais. Nos Hospitais ainda a maioria dos terapeutas ocupacionais dão modelos para os doentes copiarem sob a alegação de que são incapazes de criar.

A chamada livre-expressão, praticada por um professor realmente expressionista ainda é uma alternativa melhor que as anteriores, mas sabemos que o espontaneismo apenas não basta, pois de um lado o mundo de hoje, e a Arte de hoje exigem um leitor informado e um produtor consciente e de outro lado sabemos que a construção da subjetividade clama não apenas pela expressão da interioridade, mas também pela expansão dos limites desta interioridade em diálogo com o mundo que nos cerca.

A falta de uma preparação de pessoal para entender Arte antes de ensiná-la é um problema crucial, nos levando muitas vezes a confundir improvisação com criatividade. Embora já exista boa produção teórica e um grande número de pesquisas nas Universidades (mais de 200 teses) é necessário ampliar o número de cursos de Pós-Graduação. Hoje existem apenas dois com linhas específicas em Arte/ Educação, o da Universidade de São Paulo, ligado ao Programa de Artes Plásticas e o da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no Programa de Educação. São apenas dois cursos específicos de Arte /Educação(há mais 2 em organização na Universidade Federal de Minas Gerais e a de Goiânia )para atender a demanda de 108 Licenciaturas no país .Por outro lado, falta estímulo para que os professores de sala de aula e de educação informal busquem cursos de aperfeiçoamento e de especialização mais aprofundados que os cursos de curta duração que quase sempre apenas treinam para receitas de ensinar , agora, receitas de aplicar os PCNs que tem até cartilha (os PCNs em Ação).


A falta de um aprofundamento dos professores de educação infantil, de educação especial, de ensino fundamental, de ensino médio e de ensino superior pode retardar a Nova Arte/Educação em sua missão de favorecer o conhecimento nas e sobre Artes Visuais, organizado de forma a relacionar produção artística com apreciação estética, informação histórica e contextualização. Nas Artes Visuais, estar apto a produzir uma imagem e ser capaz de ler uma imagem são duas habilidades inter-relacionadas, o desenvolvimento de uma ajudando no desenvolvimento da outra (Analice D. Pillar e Denise Vieira, 1990)

Esta integração corresponde à epistemologia da Arte, aos modos como se lida com Arte e/ou se aprende Arte. (Transparência de Johann Hauser , paciente de Leo Navratil, Gugging Hospital , Viena, relendo Arnulf Rainer, 1966 ) ( slides do trabalho de Oliver Saks), A trajetória conceitual das relações entre o fazer e o ver fundando novas metodologias e práticas nortea a busca de resolução de problemas da Arte/Educação nos dias de hoje.

Vejamos em que sentido mudou a Arte /Educação:

1. Maior compromisso com a cultura e com a história. Até os inícios dos anos 80 o compromisso da Arte na Escola era apenas com o desenvolvimento da expressão pessoal do aluno. Hoje, à livre expressão, a Arte /Educação acrescenta a livre- interpretação da obra de Arte como objetivo do ensino. O slogan modernista de que todos somos artistas era utópico e foi substituído pela ideia de que todos podemos compreender e usufruir da Arte

2. Ênfase na inter-relação entre o fazer, a leitura da obra de Arte (apreciação interpretativa) e a contextualização histórica, social, antropológica e /ou estética da obra. Para isto se baseiam os arte educadores na construção do conhecimento em Arte, que se dá segundo pesquisadores (Elliot Eisner,99 Brent Wilson ,99) na interseção da experimentação, decodificação e informação.


Só um saber consciente e informado torna possível a aprendizagem em arte.

3. Não mais se pretende desenvolver apenas a sensibilidade dos alunos através da Arte, mas também se aspira influir positivamente no desenvolvimento cultural dos estudantes através do ensino/ aprendizagem da Arte. Não podemos entender a Cultura de um pais sem conhecer sua Arte. A Arte como uma linguagem aguçadora dos sentidos transmite significados que não podem ser transmitidos através de nenhum outro tipo de linguagem, tais como a discursiva e a científica. Dentre as artes, as visuais, tendo a imagem como matéria-prima, tornam possível a visualização de quem somos, onde estamos e como sentimos.

Relembrando Fanon, eu diria que a arte capacita um homem ou uma mulher a não ser um estranho em seu meio ambiente nem estrangeiro no seu próprio país. Ela supera o estado de despersonalização, inserindo o indivíduo no lugar ao qual pertence, reforçando e ampliando seus lugares no mundo

A Arte na Educação como expressão pessoal e como cultura é um importante instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento individual. Através da Arte é possível desenvolver a percepção e a imaginação, apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo analisar a realidade percebida e desenvolver a criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada

4. O conceito de criatividade também se ampliou . Pretende-se não só desenvolver a criatividade através do fazer Arte mas também através das leituras e interpretações das obras de Arte . Para o Modernismo, dos fatores envolvidos na criatividade o de máximo valor era a originalidade. Hoje a elaboração e a flexibilidade são extremamente valorizados. Desconstruir para reconstruir, selecionar, reelaborar, partir do conhecido e modificá-lo de acordo com o contexto e a necessidade são processos criadores, desenvolvidos pelo fazer e ver Arte, fundamentais para a sobrevivência no mundo cotidiano.


5. A necessidade de Alfabetização Visual vem confirmando a importância do papel da Arte na Escola. A leitura do discurso Visual , que não se resume só a uma análise de forma, cor ,linha, volume, equilíbrio , movimento, ritmo, mas principalmente é centrada na significação que estes atributos em diferentes contextos conferem à imagem é um imperativo da contemporaneidade . Os modos de recepção da obra de Arte e da imagem ao ampliarem o significado da própria obra ampliam a subjetividade do interprete.

Não se trata mais de perguntar o que o artista quis dizer em uma obra, mas o que a obra nos diz, aqui e agora em nosso contexto e o que disse em outros contextos históricos a outros leitores.

Em nossa vida diária, estamos rodeados por imagens veiculadas pela mídia, vendendo produtos, ideias, conceitos, comportamentos, slogans políticos etc. Como resultado de nossa incapacidade de ler essas imagens, nós aprendemos por meio delas inconscientemente.

A leitura das imagens fixas e móveis da publicidade e da Arte na Escola nos torna conscientes acerca daquilo que aprendemos através da imagem. Por outro lado, na Escola, a leitura da obra de Arte prepara o grande público para a recepção de obras de Arte e nesse sentido Arte/ Educação é também mediação entre Arte e Público.

6. O compromisso com a diversidade cultural é enfatizado pela Arte/Educação Pós-moderna. Não mais somente os códigos Europeus e Norte Americanos Brancos, porém mais atenção à diversidade de códigos em função de raças, etnias, gênero, classe social, diferenças físicas e mentais.

Para definir diversidade cultural, nós temos que navegar através de uma complexa rede de termos. Alguns falam sobre multiculturalismo, outros sobre pluriculturalidade (PCN), e temos ainda o termo a meu ver mais apropriado - Interculturalidade. Enquanto os termos “Multicultural” e “Pluricultural” significam a coexistência e mútuo entendimento de diferentes culturas na mesma sociedade, o termo “Intercultural” significa a interação entre as diferentes culturas. Isto deveria ser o objetivo da Arte/Educação interessada no desenvolvimento cultural.

Para alcançar tal objetivo, é necessário que a Escola forneça um conhecimento sobre a cultura local, a cultura de vários grupos que caracterizam a nação e a cultura de outras nações.


Além disto a Escola Multiculturalista é INCLUSIVA. A aceitação sem barreiras de crianças e adolescentes na Escola comum que apresentem diferenças físicas e mentais beneficia a maioria , flexibilizando-a e possibilita à minoria diferente, potencializar as suas capacidades positivas.

Entretanto pesquisas têm mostrado que a inclusão é mais facilitada no sistema profissional que no sistema escolar. Educar para o reconhecimento respeitoso da diferença física e/ou mental é tarefa do professor multiculturalista.

O multiculturalismo é uma enorme responsabilidade sobre os ombros dos professores. Com classes de 40 alunos dificilmente se faz uma boa educação comum , muito menos uma educação inclusiva.

No jornal O Estado de São Paulo de 1 de outubro de 2000 um aluno de Escola Pública assim avalia a Educação: “o ensino é ruim, porque, antigamente as professoras ia em cada carteira espricar como se fais a lição e também as professora manda os aluno suletrar” (sic).

Enfim, com tantos alunos na classe não há possibilidade de atenção individual aos alunos , temos a soletração no lugar da alfabetização.

Os comentários acerca do péssimo português na frase deste aluno foram muitos. Não houve na reportagem nenhum comentário acerca de sua aguda capacidade crítica. Até o ex reitor da UNB, do tempo da ditadura, José Carlos Azevedo, deu sua opinião na citada reportagem, dizendo que os estudantes têm hoje “incapacidade de se expressarem de modo compreensível”. Ora a atitude deste senhor foi durante a ditadura exatamente impedir a EXPRESSÃO.

Para que expressão e competência vernacular se integrem é preciso liberdade, diálogo constante e uma educação com possibilidades de construção coletiva dos saberes que dê também atenção às necessidades individuais de cada aluno.


Ora, nossas escolas estão excluindo os alunos com dificuldades de aprendizagem porque as professoras não têm tempo para eles.

Que dizer daqueles com deficiências evidentes. Acabam sendo aceitos nas Escolas comuns e acabam sendo entregues à própria sorte “talvez mais segregado e excluído na turma do ensino regular do que se estivesse em classes especiais ou escolas especiais” (Rosita Edler Carvalho,2000) Por isto é necessária cautela para não jogar a água do banho com o bebê dentro. Precisamos melhorar, aparelhar e expandir nosso sistema de Educação Especial , atualizando e formando os professores da área pública e privada , como as APAEs , enquanto não tivermos assegurado uma eficiente educação inclusiva. Por outro lado sempre haverá necessidade das Escolas Especiais para reforçar a educação dos mais além da norma que, embora frequentando a Escola Inclusiva ideal, precisarão estender as experiências para garantir uma funcionalidade no mundo.

Rosita Edler Carvalho denuncia em seu livro Removendo barreiras para a aprendizagem: educação inclusiva um fenômeno absurdo, a expansão das classes Especiais para atender a demanda de alunos que não deficientes, tem dificuldades graves de aprendizagem.

O sistema é que é deficiente e necessita de outras saídas.

Vou mostrar o caso de um aluno de 14 anos que no tempo em que se reprovava no Ensino Básico passou 7 anos na 1a série, sem aprender a ler e estava sendo encaminhado para uma classe especial no Estado de São Paulo.%HOTWORDFINALDOTEXTO%


O REENCONTRO DO MASCULINO E DO FEMININO NA ARTE DE EDUCAR
Pierre weil

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A existência de bipolaridade masculina e feminina no homem como na mulher se tornou um fator consumado, depois da descoberta de Freud da bissexualidade, por Jung dos Animus e Anima e dos trabalhos pioneiros de Paule Salomon. Há uma necessidade de sairmos do desequilíbrio atual causado por milênios de predomínio absoluto do masculino, seguido pela explosão feminista e suas repercussões benéficas e destrutivas e de desenhar os contornos de uma educação desta polaridade no homem e na mulher.


Para isto teremos de ser bastante lúcidos quanto às finalidades que temos que ter em mente para esta educação. Isto nos forçará a aprofundar o assunto sob vários ângulos.


FINALIDADES DA EDUCAÇÃO DA BIPOLARIDADE MF

Há ao nosso ver quatro aspetos importantes a considerar preliminarmente à elaboração de metodologias educacionais:


1. A ignorância do princípio MF e da sua importância, pela maioria das pessoas;

2. A perspectiva evolutiva de cada um dos fatores;

3. A existência de uma variabilidade de proporções MF tanto no homem como na mulher;

4. A necessidade de uma tomada de posição quanto à orientação a dar no que se refere a relação entre as proporções MF no homem e na mulher.

Vamos enunciar quatro princípios a respeito destas quatro questões. Destas poderemos extrair quatro princípios ou finalidades para a educação bipolar.

Primeiro princípio educacional: A primeira fase de uma educação do princípio MF começa necessariamente por uma tomada de consciência pelo educando da existência nele mesmo desta polaridade e de alerta quanto a sua importância em quase todos os grandes domínios da nossa existência.


Segundo princípio educacional: Os métodos de educação terão de levar em consideração o estado evolutivo dos princípios masculino e feminino no educando, qualquer que seja a sua idade, o que implica num conhecimento não somente do sentido desta evolução, mas ainda das fases pelas quais passam as pessoas no caminho desta evolução, permanecendo consciente e alerta em relação às pressões e influências regressivas provocadas por consensos ainda em vigor das normoses machista e feminista mesmo se em decadência.


Terceiro princípio educacional. Uma das funções principais da Educação no que se refere a bipolaridade MF é de tornar o educando consciente da presença destes princípios nele mesmo, estejam eles em formação nas crianças, ou em estagnação ou evolução no adulto. Esta tomada de consciência abrange a descoberta pelo educando da proporcionalidade existente nele assim como da influência nas suas relações de amizade e de casal, assim como de numerosos outros aspetos como a escolha da profissão, dos jogos, divertimentos e das suas atitudes em diferentes situações.


Quarto princípio educacional. A ação educacional deverá ter duas direções: Uma no sentido de despertar o princípio feminino nos adultos nos quais se encontra reprimido. O outro no sentido de fazer chegar as crianças, aos adolescentes e aos jovens o máximo de equilíbrio possível do fator MF, respeitadas as limitações do seu sexo ou outras condições imprevisíveis em função dos nossos conhecimentos atuais na matéria.


Os quatro princípios que acabamos de expor vão agora nos orientar no que se refere aos métodos pedagógicos que podem ser aplicados na prática educacional.

MÉTODOS EDUCACIONAIS NO REENCONTRO DA

MASCULINIDADE E FEMINIDADE

No caso dos adultos podemos nos inspirar da experiência psicoterápica, adquirida ao longo dos tempos, da existência de formações de funções especificamente femininas ou masculinas, mas que não tiveram este objetivo específico, assim como das experiências mais recentes de reequilibração MF. Vamos também tecer comentários sobre decorrências educacionais da evolução da própria sociedade inclusive da mudança de sentido diante da dissolução progressiva de paradigmas ultrapassados.


No caso da educação infantil e de adolescentes, iremos nos inspirar de costumes da educação familiar a este respeito, assim como fazer um esboço de censo das matérias escolares que eventualmente estimulam um ou outro princípio MF.


A EDUCAÇÃO DE ADULTOS

Vamos, pois começar pela educação de adultos. Para isto vamos seguir os quatro princípios e indicar o que se faz ou se poderia fazer em matéria de metodologia educacional.


Na minha experiência, para informar ao público da existência do fator MF, palestras com o uso do psicodrama do Tão surtem um grande efeito. Mesmo sem psicodrama, simples palestras em que se informa da existência da masculinidade e da feminidade em cada ser humano, além de ter um efeito surpresa, provocam nas pessoas a necessidade de se posicionar e descobrir neles estes dois fatores. É o momento de aprofundar a questão dando as linhas gerais do que se entende por caracteres masculino e feminino. Basta mostrar que o masculino é expressado por características ativas, dinâmicas, empreendedoras, de liderança, combatividade, racionalidade e objetividade. O feminino se expressa por características de abertura, receptivas, amorosas, ternas, amigas, sensíveis, compreensivas, intuitivas, subjetivas e sentimentais. Alguns comentários com o símbolo do Tão ajudam bastante a demonstrar o caráter complementar de cada um dos componentes. Treinamentos complementares podem ser dados com o método de casos, ou com psicodrama visando reconhecer o masculino e o feminino em qualquer situação da vida. É o que costumamos fazer num dos nossos seminários do conjunto “Viver a Vida” e que se intitula “Arte de Viver em Plenitude”. Neste seminário pedimos a um casal para representar o seu primeiro encontro. De vez em quando interrompemos para apontar em cada um, em que nível energético de troca se encontra e que princípio MF está em jogo. Notei que esta colheita de dados nos mostra qual a qualidade da relação do casal durante toda a sua existência.


No Seminário seguinte, destinado a casais ou pares de amigos, mostramos diferentes tipos de casais, indo do casal ocasional ao casal plenamente desperto em nível transpessoal. Sensibilizamos o grupo a possibilidade de transformar um par ou casal numa relação evolutiva, o que implica também a evolução do fator MF. Este seminário, intitulado “A Arte de Viver em Harmonia”, atende ao Segundo Princípio, o Evolutivo, pois introduz o conceito de Relação Evolutiva e mostra como se pode estabelecer esta relação, em que se convenciona aproveitar o relacionamento do matrimônio para uma ajuda recíproca para evoluir.


No que se refere ao segundo princípio, o evolutivo, costumamos sensibilizar as pessoas à existência de dois extremos, um evoluído e destrutivo e o outro evoluído e altamente construtivo. A evolução consiste em passar de um ao outro. Enumeramos algumas das características: para o feminino, a bruxa, a maledicente, a conspiradora de um lado e, do outro lado, a amorosa, a santa, a Mona Lisa, a Grande Mãe, a inspiradora; para o masculino, o Barba Azul, o tirano, o violento, o macho de um lado e, do outro lado, o Sábio, o Iluminado, o Mestre, o Herói, o Cavalheiro. A simples tomada de consciência da existência destas características e da possibilidade de evoluir de uma a outra já tem, por si só, um efeito educacional importante. Pois é muito importante tomar contato e reconhecer humildemente a presença destas sombras em nós. Reforçamos esse esforço neste seminário, convidando os participantes para um autodiagnóstico do estado evolutivo dos sete centros energéticos em que cada qual se encontra e de como cada um se comporta, isto é, se de maneira masculina ou feminina.


O método de Paule Salomon, permite ir muito mais a fundo neste sentido, pois integra nele as relações com os pais e sua influência na evolução de cada um. É sem dúvida um aperfeiçoamento notável da terapia jungiana, e me parece exigir do educador uma sólida formação terapêutica. Isto evidentemente é o caso de Paule Salomon, que criou no Sul da França um Centro do Despertar onde realiza seminários de cinco dias cada um, para “Relação de Casais”. Um outro seminário intitulado “A Mulher Solar”, é dirigido exclusivamente para mulheres, e outro ainda, exclusivamente para homens, intitulado “O Homem Lunar”.


Um casal de educadores de Findhorn, May East e Craig Gibson, também tem uma linha evolutiva e realiza seminários comuns, para homens e mulheres, e separados, exclusivamente para homens ou para mulheres. O seu enfoque permite uma evolução partindo das funções sexuais primitivas no homem e na mulher, para uma sacralização destas. Conseguem isto através de dinâmicas interpessoais, massagens, uso de instrumentos musicais, reconstituição da história cultural e individual do ventre feminino e do pênis masculino.


O que há de comum nas três metodologias aqui citadas é a finalidade transpessoal da evolução.

A descoberta da existência de uma proporcionalidade entre o masculino e o feminino, precisa ser comunicada aos educandos antes de eles fazerem uma avaliação pessoal. No psicodrama do Tão, depois de uma simples explanação das categorias existentes, pedimos a cada participante para se auto avaliar.


Na nossa experiência, a simples tomada de consciência parece o equivalente de um desencadeador de transformação e possui um valor educacional imenso. Esta tomada de consciência pode se fazer simplesmente, durante o Psicodrama do Tão, observando qual dos parceiros do casal toma a iniciativa do diálogo.


O efeito desta tomada de consciência pode ser reforçado pela aquisição de novos hábitos próprios ao princípio MF que se quer desenvolver. Neste sentido a história do boné basco é bastante ilustrativa. Se a inclinação do boné para a direita na cabeça indicar a necessidade de tirar o excesso de masculinidade, o homem irá procurar um mestre de feminilidade o qual o orientará para a prática de atividades culinárias ou de cuidados de enfermagem. Se pelo contrário ele tiver excesso de feminilidade, ele procurará um mestre de masculinidade que vai o encaminhar, para que esta derivação seja reparada, para o exercício de atividades bem masculinas como a de carpinteiro ou ferreiro. Eis uma sugestão bastante interessante para os futuros educadores do princípio MF!


De qualquer forma, como já mostramos, esta história reforça a posição de que existe um ideal de proporção MF, o da sua emparelhagem.


Enquanto esta for o caso de apenas uma parte da população de cada sexo, teremos inúmeras combinações de proporções MF entre os dois sexos.


Isto nos introduz ao quarto princípio que indica a necessária conscientização, para boas relações interpessoais mais particularmente de casais, mas também de amigos, colegas de trabalho ou pais e filhos, da sua proporção MF e da sua ação recíproca. Em outras palavras se torna evidente, para quem toma conhecimento da interação do masculino e do feminino entre os casais, que está se torna o fator essencial para o bom ou mau entendimento entre eles.


O Psicodrama do Tão permite uma abordagem direta desta interação entre casais. Cada um dos pares tem um fantoche masculino na sua mão direita e um fantoche feminino na sua mão esquerda.


Costumamos estimular diálogos a respeito de evento do passado tal como um conflito específico, o que constitui um excelente treino para reconhecer os fatores MF de desavença. Notei que o maior motivo se dá entre o masculino de um e de outro. O reconhecimento deste fato provoca uma vontade de resolver o caso; um tem que ceder e chamar o seu componente feminino para reestabelecer o equilíbrio. Ou então haverá um entendimento de cavalheiros para determinar quem vai fazer o que.


Existem mais de trinta combinações possíveis; umas com muita chance de relação harmoniosa, outras com maior probabilidade de conflito. Por exemplo, um homem com muita masculinidade e pouco feminilidade se dará bem com uma mulher com muita feminilidade e pouca masculinidade.


Vice-versa, uma mulher com muita masculinidade encontrará o seu complemento num homem com feminilidade bastante acentuada. Mulher e homem com masculinidade acentuada são candidatos a conflitos permanentes.

Para tratar os conflitos devidos a proporções incompatíveis, é evidentemente necessário estabelecer diálogos entre os parceiros, uma vez que estes estivessem conscientizados das suas proporções MF. Do diálogo feito com empatia tal como o ensinamos no nosso seminário a Arte de Viver o


Conflito, podem nascer decisões criativas entre as quais podemos citar algumas:


·Uma mulher que por excesso de masculinidade costumava desagradar o marido tomando decisões que ele achava lhe caber, decidiu aprender balé.


·um marido cuja mulher ansiosa de realizar o seu lado masculino num emprego de contabilidade à noite, resolve fazer um curso de puericultura, para cuidar dos filhos durante o trabalho da mulher.


Estamos aqui muito perto do sistema basco acima descrito. Falta ainda uma catalogação mais precisa de atividades recreativas ou profissionais que tem poder educativo masculino ou feminino.


Por enquanto, decisões pessoais resultantes de diálogos consigo mesmo ou com os outros, ajudam bastante.

Creio que mesmo sem nenhuma educação de adultos para o reencontro do masculino e do feminino, este se fará pela força evolutiva e por fatores sociais de transformação. Cabe à educação apressar o processo onde isto for possível para que a humanidade entre numa nova fase, e com isto saia da normose machista que nos leva à um verdadeiro auto suicídio da humanidade.


E para alcançar esta finalidade é urgente a educação das crianças e adolescentes. Pela nossa experiência, a educação dos jovens se confunde ou se assemelha suficientemente da dos adultos; por isto não se justifica por enquanto tratar deste assunto em separado.


Vamos, pois abordar a questão das crianças e adolescentes, começando por uma maior reflexão sobre as condições específicas da questão e da diferença com a educação de adultos.


EDUCAÇÃO E MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO MF NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE.

Sair da normose machista e preparar uma cultura do verdadeiro encontro entre o Masculino e o Feminino em cada cidadão e cidadã, assim como o encontro e colaboração de homens e mulheres na gestão dos organismos humanos, eis o imenso serviço que pode prestar a Educação. Deste modo atende também ao objetivo da Unesco de transformar a atual cultura de guerra e de violência em cultura de Paz.


Isto significa contribuir para a dissolução da cultura machista e evitar a perpetuação da normose machista.

Isto implica em aproveitar a situação específica da criança na qual os princípios masculino e feminino estão em plena formação. Tudo indica que a criança é como se fosse uma cera virgem, onde os pais podem gravar os componentes MF graças aos processos de identificação, imitação ou rejeição pela criança do seu próprio modo de ser MF.


É claro que muito mais ainda que os adultos, as crianças desconhecem totalmente a existência dos fatores MF. Por isto que a aplicação dos quatro princípios educacionais acima descritos, assumem na criança aspetos diferentes dos adultos , como vamos  demonstrar mais adiante.


Como o anunciamos mais acima, para cada princípio vamos procurar como o sistema educacional familiar e escolar se comporta em relação à educação das meninas e dos meninos. Faremos alguns comentários sobre o que nos parece viável quanto à manutenção ou mudança eventual de metodologia. A tarefa é delicada e necessitaria de apoio em pesquisas sistematizadas. Pelo fato de ignorarmos se existe algum sistema que cuida conscientemente da educação do MF, teremos que nos limitar a uma mera especulação sobre o assunto. Ao contrário da educação de adultos, a educação de crianças ainda está bastante confusa no que se refere ao MF. No caso dos adultos já existe uma certa conceituação e experiência no assunto; o terreno da criança é virgem e inexplorado. Falta uma obra de fôlego do tipo das investigações de epistemologia genética de Piaget, cujo título poderia ser:


“A Gênese dos princípios masculino e feminino na criança dos dois sexos”.

Um estudo desta natureza permitiria jogar luz sobre a questão dos fatores hereditários e sociais na formação dos princípios MF. Então, na ausência deste estudo vamos nos limitar a observações empíricas e consequentes considerações especulativas. Mas de qualquer jeito iremos tecer algumas considerações sobre a influência da proporção MF dos adultos educadores, sobre a educação da criança.


No que se refere ao primeiro princípio, o da ignorância da bipolaridade e da sua importância, é uma preocupação que temos que ter com os educadores antes de tudo. Uma vez os educadores instruídos a respeito da sua própria polaridade, poderá se pensar na sua ação pedagógica. Convém esta começar por introduzir esta distinção num nível em que os componentes ainda estão se formando?


É isto possível? De qualquer forma, mesmo se desejável, teríamos de esperar a formação do reconhecimento da identidade MF. “Eu sou um menino”, ”eu sou uma menina”, são afirmações de identidade sexual que precisam estar presentes antes de se reconhecer a existência do MF. Como é que MF está se formando? Observando os brinquedos de um e outro sexo, é evidente que os brinquedos femininos são as bonecas com as suas roupas e mamadeira, as casinhas para arrumar e as cozinhas para fazer de conta de preparar os alimentos; podemos acrescentar a isto cordas de pular e pequenos teares de tecer e bolas de Volley. Os brinquedos masculinos são metralhadoras, revólveres, soldados de plástico ou de chumbo, trens elétricos, roupas de marciano ou de ET, jogos de construção, de mecânica e a inevitável bola de futebol. Existem também jogos neutros, jogados pelos dois sexos junto as tais como o lego- lego, damas, jogos de ganso,


Talvez possa se pensar numa intervenção informativa junto as crianças que espontaneamente estão brincando com jogos do sexo oposto. Isto acontece com meninas que jogam futebol com os rapazes ou meninos que brincam de boneca e de comidinha com as meninas. Neste momento pode se incentivar uma conscientização sem porem contrariar este pendor espontâneo.


Mas será conveniente incentivar esta mistura sem correr o risco, nesta idade, de incentivar a homossexualidade? E até que ponto temos o direito de provocar uma conscientização em caso de participação espontânea nos jogos de sexo oposto, entre os quais se manifestam inversões sexuais precoces? Estamos aqui numa região fronteiriça entre normalidade e patologia, entre educação e terapia. A distinção é difícil de fazer. Eis um exemplo típico tirado de um dos nossos seminários. Uma mulher, separada do marido cujo componente MF era tipicamente feminino, descobre o componente masculino predominante nela. Ela nos conta que nunca brincou de boneca e que gostava de andar de bicicleta e jogar futebol com os colegas de turma. Perdeu o pai cedo e assumiu o seu lugar; ela reconhece que tem mais as características do pai do que da mãe que ela considera confusa e fraca. É evidente que a sua masculinidade prove da identificação com o pai. Teria adiantado quando ela tinha uns cinco seis anos, convidá-la a brincar de boneca para despertar a sua feminidade?


Na idade escolar, temos dois casos bem diferentes: separação dos sexos ou coeducação. A separação dos sexos parece um caso marginal reservado para certos colégios religiosos católicos. A coeducação dos dois sexos é considerada hoje um fator favorável à educação. Por isto vamos apenas tratar da questão MF com coeducação.


Existem matérias mais masculinas como as matemáticas, a história, a geografia, a lógica, e matérias tipicamente femininas como as artes, o canto, a poesia, a literatura. É evidente que o fato de meninos e meninas aprenderem estas matérias juntos, muito contribui para aceitar a existência do masculino e do feminino em cada um, assim como do futuro exercício de profissões masculinas por mulheres, mesmo se esta aceitação ainda permanece no nível inconsciente dos automatismos e hábitos.


No que se refere ao princípio evolutivo, mesmo sem se falar explicitamente no masculino e no feminino, os contos infantis e as peças de teatro infantil forem ótimas oportunidades de transformação simbólica dos dois extremos das duas polaridades MF. Para o feminino a bruxa vingativa se transforma em fada, para o masculino o guerreiro sanguinário ou o Barba Azul viram cavalheiros românticos defensores das viúvas e indefesos.... Eis uma maneira de semear a ideia da possibilidade de evolução.


Parece-me que o terceiro princípio, o das proporções MF em cada sexo seja próprio aos adultos, já que estas proporções estão em plena formação na criança e no adolescente. Tudo indica que o mesmo se passa para o quarto princípio, o da relação entre as proporções. Possivelmente seja no nível de jovens que se possa trabalhar esta questão e nos cursos para noivos.


Resta nos tecer algumas considerações sobre a proporção MF nos educadores.

A POLARIDADE MF NOS EDUCADORES

Embora não tenhamos dados suficientes para comprovar experimentalmente o que vamos afirmar, tudo indica que o melhor educador, do ponto de vista que nos interessa aqui, será o que tem um equilíbrio MF, seja ele homem ou mulher.


Isto é antes de tudo uma necessidade profissional. Ele ou ela precisam de planejamento, iniciativa e autoridade propriamente masculinos, mas é também indispensável a criatividade, a intuição, a sensibilidade a ternura próprios ao Feminino.


Este equilíbrio é também indispensável para a interação com toda espécie de educando. Ser firme e flexível, isto é, masculino, e feminino para a criança rebelde masculina, ou dinâmico e incentivador da criatividade própria para a criança extremamente passiva e dependente, isto é, feminina, são exemplos desta sintonia entre o MF do educador e do educando.


E enfim, já vimos mais acima que tudo indica que o modelo próprio á uma nova cultura de paz seja o do equilíbrio MF sem torna-lo obsessivamente obrigatório, ferindo a liberdade individual. Graças ao exemplo dos educadores que serão objetos de imitação, ou em termos psicanalíticos de introjeção, estaremos literalmente contribuindo para a construção de uma nova geração de jovens. Estes, graças ao seu equilíbrio MF, estarão em condições de estabelecer relações de casais harmônicas e evolutivas, assim como se adaptar às exigências de uma grande variedade de atividades profissionais e empresariais.


ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tenho consciência de que, mais uma vez na minha vida, fiz um trabalho pioneiro de desbravamento do campo quase virgem dos aspetos educacionais da polaridade MF. No caso dos adultos já conseguimos fazer algum trabalho coerente. No caso das crianças e adolescentes, apenas aranhamos o assunto


Em outras palavras falta muito para atingir os objetivos traçados neste trabalho. Muitas colaborações, estudos e pesquisas assim como experiências pioneiras se revelam indispensáveis. Só nos resta emitir o voto que o presente trabalho tenha servido de desencadeador de uma nova visão no campo educacional, incluindo nesta o seu papel de construção de uma nova cultura MF, em que homens e mulheres terão aprendido em harmonizar a serviço de um mundo melhor, mais em Paz e Feliz.


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BIBLIOGRAFIA DAS OBRAS CITADAS

Freud Sigmund. “Fantasias histéricas e sua relação com a sexualidade.”.In Synopses da Standard Edition. 1979. Salamandra. Rio de Janeiro. 1908 A

Freud Sigmund. “Análise terminavel e interminável. A bissexualidade é a mais forte resistência contra a Psicanálise.”. in Synopses da Standard Edition. 1979. Salamandra. Rio de Janeiro. 1037 C

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Weil Pierre. “A Mudança de Sentido. O Sentido da Mudança.” Rio de Janeiro. Rosa dos Tempos. Distribuidora Record. 2.000. Ver os capítulos sobre a normose na p.121 e sobre o resgate do feminino na liderança do terceiro milênio, na p.243.%HOTWORDFINALDOTEXTO%


RESUMO DO CONTEÚDO DA APRESENTAÇÃO DA CONFERÊNCIA
João de Jesus Paes Loureiro
“A Estética de uma Ética sem Barreiras"

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Não é nova a relação entre ética e estética. A estética, ao provocar a emoção partilhada do estar-juntos, deixa passar a correnteza de uma afetividade interpessoal que acaba por ter na ética um forte sentido. Confrontam-se situações sociais contraditórias, modos diversos de vida se conjugam, histórias pessoais convivem numa espécie de corrente vitalista cheia de energia e plurissignificação de valores.


Pela convivialidade estética do sentir em comum, pelo conviver na emoção, há o estimulo não só do processo criador, como de uma comum fruição. Seja na vivência, seja na convivência com estados existenciais, a emoção se incorpora de um sentido mesmo de criatividade. A dilatação compartilhada desta relação carregada de sentido ético, provoca socialmente a passagem para a emoção estética, naquilo que esta representa o prazer de sentir-se em companhia diante de expressões da beleza. A experiência da sensibilidade diante do artístico torna-se, ao mesmo tempo, o compartilhamento de um vínculo e de uma libertação.


É indiscutível a relação entre a emoção estética e a solidariedade, acentuado por M. Maffesoli, ao afirmar que “nossas faculdades simpáticas e ativas são estreitamente ligadas e que é esta relação mesma que especifica a vitalidade de uma época dada, e serve de fundamento a toda forma da sociedade”.


É nesse sentido que será compreendida aqui a ligação entre o estético e o ético. O estético terá, portanto, a capacidade de fazer emergir “formas de simpatia” acentuando seu papel de ligação e religação social. É como se ocorresse a produção de um sistema de conhecimento humano a partir da sensibilidade. A acentuação da importância do outro como fator inerente a isso. A aparência sensível remarcada, o hedonismo transformado em valor existencial, a fascinação holística da festa, enfim, a consagração de tudo o que se traduz na existência implicativa do outro. Uma valorização includente da presença do outro, uma vez que estar presente é uma das condições necessárias do experimentar juntos uma emoção estética coletiva.


Essa cultura do sentimento favorece o trajeto de uma lógica da identidade à uma lógica da identificação, do individual para o coletivo. A conjugação composta desses valores conduz ao que ainda Maffesoli chama de ética: “uma moral sem obrigação nem sanção; sem obrigação outra além desta de agregar, de ser membro de um corpo coletivo, sem sanção outra além desta de ser excluído se cessa o interesse de me ligar ao grupo”.


Estamos falando da socialização prazerosa decorrente de um ardoroso experimentar em comum. E do conjunto de relações daí decorrentes que tende a estimular a sinergia entre o estético e o ético.


É de Gaston Bachelard a afirmação de que “nada é dado, tudo é construído”. Pode-se, portanto, entender que todos os homens, portadores de deficiência ou não, são capazes de realizar operações construtivas de transformação da natureza em signos da cultura, além de transformar os signos da natureza e da cultura. Todos, os homens são capazes de conhecer e fazer, isto é, produzir representações, realistas ou abstratas, através de modos resultantes de vários caminhos. São capazes, ainda, de se exprimir, de projetar a vida interior, construir alegorias, penetrar nos símbolos e nos mitos.


Podem os homens (portadores de deficiência ou não), agir nos momentos decisivos do processo artístico como conhecer, fazer, experimentar. Podem, portanto, envolver-se com as indeterminações do jogo estético. Exercer, como bem se lê em Nietzsche, a “vontade de ilusão”, justificando-a e produzindo a ilusão afirmativamente. A ilusão como um valor maior que a verdade.


As belezas livres da arte, independentes de uma pura representação do real, são frutos da fantasia ou da imaginação criadora, a partir do que o artista inventa enquanto faz. É, portanto, uma atividade de invenção operativa, um fazer que refaz, a invenção de uma forma de fazer correlata ao modo de fazê-la. Uma invenção plena, um procedimento sagrado, na medida em que “todos os procedimentos são sagrados quando interiormente necessários”, como diz com propriedade o pintor russo e também um importante teórico da arte, W.Kandinsky. Invenção germinada no entusiasmo de quem sente uma energia divina dentro de si e se entrega ao virtuosismo da imaginação, considerada pelo músico vanguardista Pierre Boulez a rainha das faculdades.


Este é um assunto apaixonante, até porque é de paixão que essencialmente estamos falando.

Não essa paixão medida e não apaixonada das retóricas burocráticas. Mas da paixão mesmo, desmedida como tudo o que tem grandeza, consagradora de nossa condição dialogal, que se realiza como construção e não nas inércias de um conceito. Paixão que é enquanto se faz. Por isso é fruto nascido na capacidade que temos de ouvir o outro, materializada na diversidade que humanamente a concretiza. A paixão que deixa de ser apenas uma palavra cativante para tornar-se a linguagem dialogal plena dos homens.


O romance da paixão através dos tempos da reflexão teórica percorre um interessante itinerário desde seu entendimento como: dominação irracional de um sujeito passional; força misteriosa e assustadora que irrompe no homem e o possui; loucura divina; demônio possessivo; orgia em festa nos sentidos; tremor sísmico da alma; grandeza desmedida de “eros”; perturbação da vontade; instrumento de “catarses”; possibilidade dupla do bem e do mal; efervescência do êxtase. Até ser compreendida como consagração perturbadora do ser.


Modernamente, o sentido da paixão foi reabilitado. A busca da felicidade passou a ser o farol ou a proa da escolha de uma paixão. Guiado pela razão, movido pela experiência, o homem escolhe as paixões que o possam levar à felicidade. Por isso, então, passa a ser responsável por sua escolha e pela paixão que escolheu para ser sua guia.


Benedito Nunes lembra, ao estudar competentemente essa questão, que o “romantismo liberaria o fundo noturno instintivo da subjetividade, livraria os entusiasmos poético e o arrebatamento amoroso”. . . além disso mostraria “por trás das paixões da alma como se desvendaria a alma das paixões”. Faz-se, com base na ilusão, suporte da realidade. A paixão também como instrumento social torna-se a instância plena de realização do ser. Não é apenas uma atitude manifesta ou expressa.


É, muito mais, o próprio exercício dessa paixão. Nesse sentido é que a paixão deve aqui ser entendida: uma atitude pela qual ética e estética se entrelaçam e visam uma aplicação humana de felicidade social.


A estética de uma ética sem barreiras remete, portanto, a esse sentido. Paixão que bem poderá ter a significação que a ela empresta Aristóteles, ou seja, “tudo aquilo que faz variar os juízos e de que se seguem sofrimento e prazer”. Uma paixão, escolhida, que nos obriga a uma responsabilidade decorrente dessa escolha. Eis mais uma razão pela qual se pode falar em estética de uma ética sem barreiras. Porque é uma paixão escolhida, uma paixão eleita e, por isso, sustentada pela responsabilidade que está inerente a toda escolha. Não se trata de uma ética que busque regular a estética, controlar a paixão. A estética, sendo uma epifania das paixões na forma sensível, terá um caminho ético para abrigar em seu campo lúdico, todos aqueles que são (por diferentes fatores) dele excluídos.


A ética do estético, neste caso, é a escolha do estético como procedimento inclusivo. Uma simetria socialmente operativa aplicada, por extensão à sociedade, do que Simmel entende em sua sociologia da cultura: que a estética e, por consequência, a arte, têm como princípio gerador a simetria. O artista portador de deficiência numa transposição social desse princípio de simetria, tendo oportunidades correspondentes às dos outros artistas, em grandeza, forma e posição relativa. Uma harmonia na diferença.


Como ter uma arte sem paixão? A paixão na arte instiga a desmedida. Mas a paixão social busca a simetria. E é nisto que desponta a sua ética. Uma ética que assume a desmedida na arte em proveito da justa medida da participação nela de todos os homens. Mesmo dos homens que trazem uma dissimetria física ou mental. O mesmo desequilíbrio que tornou a arte possível, pode buscar o equilíbrio que a sociedade precisa ter para a felicidade inclusiva dos homens. Esta pode ser uma virtude do homem ético-estético. Não a virtude do equilíbrio amorfo, infecundo e estagnante. Mas a virtude da justa medida ou desmedida da paixão. Paixão que não reprime. Paixão que reconhece o dispositivo ético da razão, mas que se vale da energia vitalista da fantasia. A paixão de um grande gesto de amor pelo homem e pela humanidade.


Convém lembrar aqui ainda a reflexão de Maffesoli, inspirada em Nietzsche referente ao estudo da identificação propiciada pela estética, isto é, “o fato de experimentar emoções, sentimentos, paixões comuns nos mais diversos momentos da vida social”. A condição de partilhar com os outros, próprio da ambiência estética, capaz de provocar uma identificação emocional que ultrapassa o confinamento tribal dos portadores de deficiência, muitas vezes na condição de sem-teto ou sem-terra no campo artístico para se abrigar ou cultivar.


Na relação produtiva da arte e os portadores de deficiência não há impedimentos seja como processo criador ou de participação como personagem. A questão, portanto, é menos no campo da estética e mais no da ética. Porque é uma decisão de caráter ético que permite ao grupo social usufruir das possibilidades do estético. A estética de uma ética sem barreiras está no sentido de refletir na sociedade a “simetria”, que é um dos fundamentos do estético. Pois, mais uma vez, relembrando Simmel, repetimos: “No começo de todos os motivos estéticos, há a simetria” A estética de uma ética sem barreiras é, na verdade, a estética transposta como princípio de simetria para o campo social. A igualdade de oportunidades, a diferença entendida como valor próprio, a inclusão como o equilíbrio diante do desequilíbrio dissimétrico da exclusão. Uma sociedade vista esteticamente, possibilitando que a inclusão se estenda como simetria e garanta condições para que os excluídos tenham oportunidades sociais de exercer o seu talento pessoal.


Uma arte sem barreiras não pode existir como apenas sonho, refém das utopias pessoais. Precisa concretizar-se no chão das relações sociais, no que a quebra da exclusão é um gigantesco passo.


A produção artística, ainda que pessoal é parte do processo social e, por isso, a inclusão artística é intercorrente com a inclusão social.


Não se pode admirar a beleza do voo sem libertar as asas de suas penas. Somente as penas, elas não possibilitam o voo. O voo é função das asas. E a asa é o ultra pensamento das penas. A asa são as penas em liberdade.


A alma, que pertence ao campo imaginal tem necessidade de ajustar-se ao corpo que a contém e que é o seu suporte de realidade. O que se espera é que pelo reconhecimento do próprio corpo, o portador de deficiência se reconheça harmônico numa relação com os outros e, especialmente, numa relação consigo mesmo. Uma harmonia no sentido de reconhecer-se e de ajustar sua harmonia interior ao exterior, ao conjunto de pessoas que socialmente constituem a sua alteridade. De certa maneira agir na compreensão de si, no conhecimento e aceitação de si mesmo.


Romper a cisão, a separação entre alma e corpo, promovendo a harmonia pessoal correlata dessa relação. Ajustar a sombra da imagem à sombra da sombra. Não ficar fora de si no duplo reflexo. Uma aceitação integradora do exterior com o seu interior. De certa maneira, um ajustamento próprio da simetria estética, entre conteúdo e forma. A “coincidentia opositorum” entre o seu interior e o exterior.


Este é um processo que a arte pode promover, uma vez que a arte é também uma fina forma de conhecimento. A arte abre a via de um percurso que arranca daquilo que é na busca do que deveria ser. A arte busca a perfeição a partir de condições materiais que lhe servem de base. A arte não escolhe um único ponto de partida e nem tem pontos de partida selecionados. A arte parte do que é possível para alcançar o impossível possível. Parte do que é na busca do que deveria ser.


Por consequência, nada indica que a arte só possa nascer deste ou daquele corpo, desta ou daquela alma, deste ou daquele material, desta ou daquela realidade. Tudo pode ser matéria de criação artística. O resultado estético decorre do ajustamento de técnicas adequadas agindo sobre materiais escolhidos, impulsionado pela paixão de criar, banhado pelo jorro da inspiração. Se a inspiração artística é um influxo passageiro e causador de uma intuição, ela é um gesto que pode acontecer no homem enquanto ser cultural, o que significa ocorrer também no cadeirante, no deficiente visual, no portador de diferentes necessidades especiais. O de que se necessita é a realização de um corajoso ajustamento narcísico da imagem interior à exterior, o impulso cultivado da paixão de criar, o aprendizado de técnicas que permitam a criação artística a partir das condições dadas do corpo ou de materiais possíveis de serem utilizados. Torna-se importante essa interação entre o artista portador de deficiência e seu mundo exterior e os outros artistas. Na criação artística essas áreas – interior e exterior – reagem interativamente. Por isso, a criação artística, sendo uma transformação do mundo, ela transforma também o artista para esse mundo. O artista sente que cria com a totalidade da emoção de sua vida, uma obra que, para ele é antes de tudo, única e sagrada. Levar o artista portador de deficiência a compreender isso, com clareza e sinceridade é tarefa constitutiva das estratégias estabelecidas para apoio ao desenvolvimento de sua arte.


A criação artística está socialmente presente em toda cultura e não apenas reservada a membros deste ou daquele grupo social. A arte é a vanguarda do desenvolvimento humano, social e individual, porque, como bem diz Suzanne Langer, “é a prática de criar formas perceptíveis do sentimento humano”. Faz com que o nosso conhecimento, por seu intermédio, avance em direções e espaços além do campo de nossa experiência real. É o território da experiência interior objetivada, palco onde se deflagra a vida do sentimento e da emoção.


A educação da sensibilidade pela arte é uma forma de evitar que se agrave a visão unilateral do mundo que o homem contemporâneo passa a ter em virtude do impacto tecnológico, restituir uma visão humanista globalizadora, que compense o crescente prestígio da especialização em campos cada vez mais restritos, turvando a perfeita integração do homem consigo mesmo e com a sociedade.


Pode, também a arte se constituir em instrumento de restauração de características humanas básicas como a iniciativa, a autonomia e a individualidade. A integral formação da alma.


Verdadeiramente não estamos muito distantes dos ideais promovidos por Schiller, expostos em suas “Cartas sobre a educação estética do homem”. Nelas, Schiller trata com igual interesse a estética, bem como o caráter social da arte e o interesse social pela beleza, relacionando esses assuntos às questões éticas da natureza humana e a nobreza social. Ao dizer que “é pela beleza que se vai à liberdade”, estreita o círculo entre ética e estética. A arte provoca o despertar da consciência de não serem os homens escravos de ninguém e nem dos preconceitos sociais, através de um “caminho... aberto pelo coração”. Estimula o fortalecimento ampliado da cultura estética, onde o “enobrecimento dos sentimentos” vem sustentado pela “perfeição ética da vontade”. Devo, no entanto, remarcar aqui, a sábia ponderação de Schiller a respeito da distinção entre o artístico e o não-artístico, visto ser o tema da arte de portadores de deficiência de um modo geral sublinhado pela comiseração ou pela permissividade piedosa: “A exposição da paixão – enquanto mera paixão – não é jamais fim da arte, embora seja extremamente importante para ela como meio para seu fim. O fim último da arte é a exposição do suprassensível”. (Schiller “Sobre o político”). Uma estética, portando que avança por uma ética unindo graça e dignidade, conduzindo a natureza humana à plenitude do desenvolvimento, onde se dê a “união da dignidade moral com a felicidade”. É nesse sentido que, para encerrar esta preleção, lembrarei, como alegoria exemplificativa, a linda e significante lenda amazônica do Tambatajá, um dos produtos do mundo imaginal estudados por mim em Cultura amazônica – Uma poética do imaginário.


A cultura amazônica constitui-se num amplo vitral mítico. Nela, as lendas de amor – líricas ou eróticas, ingênuas ou maliciosas, simples ou artimanhosas, felizes ou trágicas – brilham de modo especial. Dentre essas numerosas narrativas simbólicas do amor, aflora a lenda do Tambatajá.


Uma índia macuxi fugiu da maloca bonita, no rio Surumu, com o filho de um tuxaua Taulipang.


E nunca mais se separaram

Se ele ia pescar, ela ia também.

Se ela ia banhar-se, ele ia também.

Se ele ia caçar, ela ia também.

Se ela ia para a roça, ele ia também.

Nove meses depois a índia tornou-se mãe.

Mas a criança nasceu morta e a índia não conseguia levantar-se ou caminhar.

E, desde esse dia, nunca mais conseguiu forças nas pernas para andar.

Então o índio passou a levar a sua amada nos ombros para toda parte.

Um dia saíram pelo campo comendo mangaba e muruci.

O sol foi embora. Veio a lua. Veio o sol. Depois a lua veio. E assim aconteceu durante muitos e

muitos dias.

E os dois amantes nunca mais voltaram.

Muito tempo depois, no lugar onde encontraram o arco, as flechas, do homem; a tanga, os brincos e a pulseira da índia, crescera um Tajá de um verde brilhante, que não conheciam.


Essa planta, que é o Tamba-Tajá, nascida do corpo dos índios amantes tem nas folhas uma reprodução vegetal do sexo da mulher e no talo da folha o sexo do homem.


A lenda do Tambatajá reproduz na Amazônia índia o percurso dos grandes amorosos. O amor da estrema dedicação, lírico por sua origem e trágico em seu destino. Poucas histórias de grandes amores contêm, num relato tão breve, a densidade de poesia e espiritualidade como dessa lenda taulipangue.


Legitimação da perenidade do amor, o Tambatajá é também uma verdadeira ética amorosa. Coincidentia opositorum (coincidência de opostos), reconciliação transcendente do dualismo homem/ mulher, ela revela uma concentrada idealização do amor. Uma idealização normativa, expressa por meio de uma plasticidade sensível, sem propriamente mandamentos ou sentenças. O amor aparece como motivação superior de uma vida, capaz de orientar e reger toda uma existência e sua transfiguração após a morte. É a lenda do amor que não morre, que violenta a hybris natural quando transubstancia o humano em vegetal a fim de que ele não morra, perenizando sua vida por um incessante nascer de novo, um vir incessantemente à luz. Esse amor não elimina o que cada um ser é para si, mesmo que a distância que separa os amantes seja por ele suprimida, até que sejam reunidos em uma síntese da coincidentia opositorum do amor que é o próprio do Tambatajá.


Tudo se resume numa vida de dedicação sacrificial do amor pelo amor. Um amor altruísta, pleno dessa força vital que, desde Platão, se conceitua no amor. Aqueles índios estavam sós no mundo. Mas é uma solidão não solitária, pois que está completa de tudo aquilo que a plenifica: o amor. Não é uma individualidade no vazio da existência. Mas, sim, uma individualidade totalizada pela existência. O amor emancipado de sua natureza erótica e, ao mesmo tempo, erotizado. Uma união da qual foram eles mesmos que nasceram como dualidade una. Um amor que, como a planta


Tambatajá é mortal porque morre, mas, ao mesmo tempo, é imortal porque continua renascendo.

Participa, portanto, de uma prodigiosa hybris: é humano porque morre; é divino porque renasce.

Guarda em si o mais profundo sentido contraditório: é um amor mortal que não morre.

Mas é um amor que ultrapassa a deficiência pois a índia ficara paraplégica após o parto, impossibilitada de andar. Um amor ético por sua força moral de companheirismo e estético pela externalização da beleza que ele representa. Um amor sem barreiras no qual o próprio amor se ultrapassa tornando-se além de humano, natureza.


O significado desta lenda para o tema que estamos desenvolvendo é magnifico. Porque no Tambatajá o amor se configura ética e esteticamente de uma forma integra e é dessa integridade que resulta a sua grandeza humana e eterna. E sua beleza poética.


A grande lição que daqui desejo concluir, religa-nos com o início desta preleção: o sentido da paixão. Há de se ter paixão em tudo. A paixão inclusiva, por natureza e na essência de si mesma.


Paixão no sentido do amor ardente. Que transborda. Que tem no seu amado origem e fim de seu destino. Que se faz na forma do seu conteúdo e que vê no que se ama a realidade plena e não comparativa da perfeição.


E a conclusão é que, toda a exuberância emotiva da estética, toda a grandeza magnifica do ético, nada seria verdade, sem a maravilha do amor. Esse amor, amor e amor sem o que nada vale a pena.


Conferência proferida no encerramento do V Congresso Nacional de Arte-Educação na Escola para Todos e VI Festival Nacional de Arte sem Barreiras, no dia 09 de novembro/2000, no Centro de Convenções Ulisses Guimarães, em Brasília.



BIBLIOGRAFIA

Bachelard, G. “Le droit de rêver”. PUF. Paris, 1970.

Langer, Suzanne. “Sentimento e Forma”. Ed. Perspectiva. São Paulo, 1980.

Maffesoli, M. “Lê mystère de la conjunction”. Fata Morgana. Paris, 1999.

Nietzsche. “La volonté de puissance”. Tel-Galimard. Paris, 1995.

Nunes, Benedito. “A paixão de Clarice Lispector”. In Os sentidos da paixão. Funarte/Cia das Letras. São Paulo, 1987.

Paes Loureiro, João de Jesus. “Cultura Amazônica – Uma poética do imaginário”. Escrituras Editora. 2° Edição. São Paulo, 2000.

Pereira, Nunes. “Moronguetá – Um decameron indígena”. Civilização brasileira Editora. Rio de Janeiro, 1967.

Schiller. “A educação estética do homem”. Iluminuras. São Paulo, 1995.

Simmel. “La tragédie de la culture”. Rivage Poche. Paris, 1988.%HOTWORDFINALDOTEXTO%

REFLETINDO SOBRE OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DE ARTE
Maria Heloisa Corrêa de Toledo Ferraz


OS PCNs DE ARTE E A EDUCAÇÃO ESPECIAL

Nesses três anos de publicação e implantação, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte têm sido discutidos e analisados em vários âmbitos, mas estava faltando este olhar específico da educação especial.

Ao observar-se os documentos e outras estratégias de intervenção (por exemplo os PCNs em Ação e os trabalhos de Educação à Distância) , percebe-se a preocupação com as novas diretrizes mundiais que tratam do respeito às diferenças, da crítica aos atos discriminatórios, da inserção de valores éticos e culturais, e da apreensão desses valores como uma das metas prioritárias da ação pedagógica. Tais ideias embasam os PCNs de Arte e visam principalmente ao aprimoramento do aluno como indivíduo participativo e consciente de suas possibilidades e deveres sociais. A melhoria da qualidade do ensino é um desafio para todos os docentes e os PCNs procuram mostrar que o valor da aprendizagem é mais evidenciado quando reflete em profundidade o sentido e o fortalecimento da cidadania, preparando os alunos para a vida.

Mas será que os professores de arte, em suas práticas, estudos e reflexões sobre os PCNs, estão realmente conscientizados sobre a extensão da diversidade cultural, e para agir com a arte junto a diferentes alunos, principalmente às crianças e jovens portadoras de deficiências, ou para compreender os benefícios que a inclusão e a integração podem trazer para todos?

Sobre essas questões parecem existir ainda muitas lacunas. Elas se manifestam quando os professores não têm clareza de suas ações profissionais ou das possibilidades que a Arte tem.

Para a viabilização de projetos de arte que inclua os portadores de necessidades especiais é preciso conhecer-se a extensão de suas dificuldades, e saber como tratar o domínio de linguagens artísticas e a busca de novos caminhos e novas manifestações do pensar e do agir, bem como uma maior integração. Os procedimentos em arte são direcionados para o conhecimento de saberes artísticos e estéticos, mas também estão assentados em princípios que norteiam as práticas de inclusão social: aceitação das diferenças individuais, valorização de cada pessoa, respeito à própria produção e à dos demais, aprendizagem com ênfase na experimentação e cooperação mútua. Se forem desenvolvidos adequadamente, os cursos de arte favorecem a apreensão desses princípios e podem abrigar outros conhecimentos, atendendo as propostas de integração social e transição para futuras inserções profissionais. São os saberes que cercam uma educação para a experiência, a descoberta, o autoconhecimento.

É importante explicitar-se também as possibilidades integradoras do ensino e da aprendizagem artística e estética na escola para que os professores que lidam com a arte possam compreender a abrangência do seu papel e saber, primeiro, se estão incluindo ou excluindo as crianças e jovens da experiência da arte, e, em segundo lugar, se entre elas também incluem as portadoras de deficiências mental, física, visual, auditiva e múltipla, por exemplo.

Por outro lado, para que se possa tratar efetivamente da inclusão, há necessidade de preparação profissional e de inúmeras adaptações organizacionais na escola, currículos etc. É preciso, ainda, que os professores saibam que eles podem sensibilizar a comunidade, incluindo os pais de alunos (deficientes e não deficientes), para construir juntos essa escola que almejamos .

Finalmente, se esperamos uma atuação profissional consistente e que atenda tais expectativas, devemos pensar nos cursos de formação dos professores de arte. Isso quer dizer que os cursos devem prepará-los discutindo questões como essas que apresentamos, e abrir espaços para as pesquisas e estudos de educação especial, com fundamentação teórica e experiências práticas em ateliês, centros de saúde, centros de convivência, lares abrigados, hospitais, enfim tanto na escola como na comunidade em geral.

Bibliografia

A Educação Especial no Contexto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Brasília: Centro de Documentação e Informação. Coordenação de Publicações, 1997. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: ARTE/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio: Linguagens, códigos e suas tecnologias/ Ministério da Educação./ Brasília: MEC/SEMT, 1999. CARVALHO, Erenice Natália S. Adaptações curriculares: uma necessidade. Salto para o Futuro: Educação Especial: tendências atuais. Secretaria de Educação a Distância. Brasília: Ministério da Educação, SEED, 1999, p.51-57. SASSAKI, Romeu Kazumi. Educação para o trabalho e a proposta inclusiva. Salto para o Futuro: Educação Especial: tendências atuais. Secretaria de Educação a Distância. Brasília: Ministério da Educação, SEED, 1999, p.81-92.

REFLETINDO SOBRE OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS
Lucia Gouvêa Pimentel

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) têm como objetivo desenvolver capacidades. Também procuram oferecer condições para que o professor os possam definir seus projetos curriculares: “Na visão aqui assumida, os alunos constroem significados a partir de múltiplas e complexas interações. Cada aluno é sujeito de seu processo de aprendizagem, enquanto o professor é o mediador na interação dos alunos com os objetos de conhecimento; o processo de aprendizagem compreende também a interação dos alunos entre si, essencial à socialização. Assim sendo, as orientações didáticas apresentadas enfocam fundamentalmente a intervenção do professor na criação de situações de aprendizagem coerentes com essa concepção. ”

Com relação a Arte, espera-se que sua influência sobre os currículos dos cursos de Licenciatura se exerça no sentido de encaminhar a um estudo mais aprofundado da Arte em seus vários aspectos: fazer, conhecimento, crítica, filosofia etc. Somente assim será possível formar profissionais que se interessem em trabalhar a área de conhecimento Arte numa perspectiva de ação que possa incluir os mais diversos níveis e as mais variadas metodologias de ensino, e que atendam, também, o ensino da Arte para todas.

Com relação aos conteúdo específicos, parece que as escolas responsáveis pela Licenciatura em Arte, em sua maioria, já contemplam a parte de ensino das técnicas das diversas áreas. “O conjunto de ações que conduzem aos resultados precisa ser feito pelos alunos para que ocorra aprendizagem e o professor precisa dominar tais procedimentos para poder ensiná-los”.

Tem-se, portanto, que somente uma professora especialista poderá dominar os procedimentos de cada uma das áreas às quais se referem os PCN, ou seja, Artes Visuais, Dança, Música e Teatro. A antiga Educação Artística, com sua pretensão de polivalência impossível de ser efetivada, felizmente cai por terra e possibilita a formulação de projetos integrados, com vários especialistas.

Reforça-se, assim, a necessidade de uma sólida formação da professora em sua área de atuação, aliada ao conhecimento mais amplo de Arte e à disponibilidade de aprendizagem constante e interativa.

Entretanto, o enfoque muitas vezes dado ao conteúdo curricular - que nos PCN recebe as denominações de: Expressão e Comunicação na prática dos alunos em Artes Visuais, As Artes Visuais como objeto de apreciação significativa, As Artes Visuais como produto cultural e histórico, A Música como produto cultural e histórico: Música e sons do mundo, O Teatro como expressão e comunicação, O Teatro como produção coletiva, Comunicação e expressão em Música, Apreciação significativa em Música, A Dança na expressão e comunicação humana, A Dança como manifestação coletiva, A Dança como produto cultural e apreciação estética, O Teatro como produto cultural e apreciação estética - precisa ser repensado em muitos dos cursos de Licenciatura. As técnicas, aqui, devem ter outra leitura que não o tradicional “ensinar a fazer”.

Em todas as áreas há indicações da complexidade do trabalho a ser desenvolvido, como por exemplo na de Artes Visuais: “A educação em Artes Visuais requer trabalho continuamente informado sobre os conteúdos e experiências relacionados aos materiais, às técnicas e às formas visuais de diversos momentos da história, inclusive contemporâneos. Para tanto, a escola, especialmente nos cursos de Arte, deve colaborar para que os alunos passem por um conjunto amplo de experiências de aprender e criar, articulando percepção, imaginação, sensibilidade, conhecimento e produção artístico pessoal e grupal. ”

E essa complexidade só poderá ser atendida se a preparação dos profissionais em Educação que trabalham com Arte tiver uma outra dinâmica.

O quê, ao meu ver, precisa urgentemente ser mudado na Licenciatura - e já precisaria ser, independentemente dos PCN - é a estrutura compartimentada, segmentada, pouco colaborativa e pouco crítica, que nunca possibilita, inclusive, a prática da permeabilidade entre o saber, o fazer, que supõem o refletir constante, ou seja, entre os três eixos propostos.

Essa é uma outra postura, uma outra prática, para a qual teremos que saltar, se quisermos ter os Parâmetros como referência para a melhoria do ensino de Arte. Se não, correremos o risco de importar não só o modelo curricular, mas também o modelo comportamental rígido, que bloqueia ao invés de desenvolver.

E o que precisa ser considerado, sem dúvida, é o comprometimento de TODOS – governo, administradores e profissionais do ensino - com a implementação de mudanças efetivas. De nada adianta os especialistas elaborarem um documento, a comunidade discuti-lo e acertar-lhe as arestas, se não forem dadas condições às escolas de efetivar suas propostas e à universidades de continuar suas pesquisas e sua efetiva prática na formação – não só inicial, mas também continuada – de professoras de Arte que devem ter a consciência do que seja ensinar para todas.

O espaço da Arte tem que ser disponibilizado e viabilizado na prática. O espaço da pesquisa é essencial para essa viabilização, pois o ofício de professor@ é, por excelência, questionador e inquietante, baseia-se no já conhecido, mas movimenta-se incessantemente em direção ao que há por conhecer.

1 Professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Coordenadora da Coleção

Arte & Ensino da Editora C/ARTE, Membro da Comissão de Especialistas do MEC para Artes Visuais.

2 Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais. 1997, p.58 (disquete).

MUSEU DE ARTE E PÚBLICO ESPECIAL
Amanda Pinto da Fonseca Tojal

Pesquisas realizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS)1 revelam um percentual de 10% da População Mundial como portadora de algum tipo de deficiência.

No Brasil, dados fornecidos pelo Censo Demográfico do ano de 1991, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)2, atestam a existência de 2.198.988 pessoas portadoras de deficiências cadastradas (portadores de deficiências mentais, físicas, auditivas, visuais e deficiências múltiplas), numa população geral de 146.815.750 habitantes.

Perante os profissionais das áreas de Educação e Cultura estes dados populacionais conduzem necessariamente à reflexão, não só sobre questões relativas à inclusão destas pessoas em todas as instâncias da sociedade, como mais especificamente sobre o importante papel sócio-político e cultural que os museus e outras instituições culturais possuem ao integra-las convenientemente, como cidadãs ativas e participativas da sua comunidade.

Acolher as pessoas portadoras de deficiências nos museus e espaços culturais é, portanto, um dever político e social. Porém, isto implica em uma série de responsabilidades e adequações que deverão ser assumidas pela política cultural destas instituições, a qual, por sua vez, há de contemplar:

. A derrubada das barreiras arquitetônicas, permitindo o acesso físico de todos os visitantes a esses locais.

. Elaboração de exposições adaptadas cuja museografia possibilite tanto a circulação dos visitantes nestes espaços, como também a apreensão e interação dos participantes com os objetos neles expostos.

. Formação de profissionais especializados e treinamento de funcionários que lidam com o público, visando o melhor atendimento do público geral e especial, contribuindo de forma mais efetiva para inclusão do público especial nestes locais.

. Elaboração de programas de ação educativa adaptados a cada tipo de deficiência, possibilitando a frequência e o contato permanente desses visitantes com o seu patrimônio artístico e cultural.

. Divulgação e contatos permanentes com instituições que atuem com pessoas portadoras de limitações tanto nas áreas da saúde como também nas áreas culturais e educacionais, gerando parcerias e programas conjuntos.

A Ação Educativa dos museus e instituições culturais pode e deve ampliar o seu raio de ação para alcançar também as pessoas portadoras de deficiências nos lugares onde estudam, trabalham ou frequentam, levando reproduções de obras ou parte de seu acervo, permitindo o contato inicial desse público com tais objetos, para uma posterior visita a estes locais.

Além disso, a atuação do serviço educativo deve estar igualmente voltada para atividades práticas, com o intuito de estimular o potencial criativo deste público, a partir do conhecimento do objeto. Essas atividades, desde que integradas a um programa e metodologia próprios, são essenciais também para estimular o seu desenvolvimento cognitivo, afetivo e criativo, bem como colocá-lo em contato direto com a produção cultural do seu tempo com todos os direitos que ele, como cidadão, tem de participar e usufruir.

A relevância da Ação Educativa e Cultural em Museus de Arte enfocando o público portador de deficiências de diversas naturezas poderá ser exemplificada no trabalho realizado pelo Projeto “Museu e Público Especial” do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, programa pioneiro de ação educativa para público especial desenvolvido de forma permanente desde o ano de 1991 em um museu de arte brasileiro.

O Projeto “Museu e Público Especial” têm por objetivo a realização de um programa permanente de ação educativa e cultural dirigido ao público portador de limitações sensoriais (visuais e auditivas), físicas e mentais em exposições de arte especialmente concebidas e adaptadas para receber este público ampliando a frequência e a participação do público especial no museu a partir dos seguintes itens:

. Organizar exposições de arte contemporânea (de caráter fixo e itinerante) com obras pertencentes ao acervo do Museu de Arte Contemporânea da USP, concebidas principalmente para o atendimento do público portador de deficiências sensoriais, físicas e mentais.

. Desenvolver programas de ação educativa em museu de arte especializados no atendimento do público especial.

. Pesquisar, desenvolver e reproduzir materiais multissensoriais a partir de reproduções bi e tridimensionais de obras de arte originais incluindo jogos e materiais didáticos e kits multissensoriais de apoio à compreensão e aprendizagem de conteúdo das artes plásticas para o público especial.

. Produzir e editar catálogos, folders, textos e artigos em tinta e braile sobre artistas e obras das exposições pertencentes ao Projeto, bem como publicações informativas sobre o trabalho desenvolvido, oferecidos tanto ao público especial como também ao público geral.

. Implantar um acervo de materiais didáticos multissensoriais dirigidos à percepção tátil, auditiva e visual de obras de arte, recursos estes utilizados tanto nos programas educativos das exposições do Projeto como também em escolas e instituições especializadas.

. Organizar e ministrar cursos de extensão e oficinas sobre o Ensino da Arte na Educação Especial, visando a capacitação de professores, estudantes e outros profissionais de áreas afins que trabalham com crianças, jovens e adultos portadores de deficiências.

. Divulgar e dar assessorias sobre programas de Ação Educativa em Museu de Arte para o público especial em eventos científicos e culturais, bem como em escolas e instituições públicas e privadas.

. Promover intercâmbios entre instituições nacionais e internacionais, incluindo também as demais unidades da Universidade de São Paulo, visando a melhoria do Ensino da Arte e da qualidade de vida das pessoas portadoras de deficiências.

Desta forma, o Projeto “Museu e Público Especial”, além de possibilitar um acesso qualitativo e especializado deste público com o objeto artístico, contribui também para a melhoria do ensino e aprendizagem da arte contemporânea e da produção artística destas pessoas, possibilitando sua inclusão na produção artística e cultural do nosso tempo, da nossa sociedade e do nosso país.

ARTE NA PERSPECTIVA DA INCLUSÃO
Fernando Antônio Gonçalves de Azevedo

Nossas heroínas e a perspectiva multicultural da arte/educação.

O filósofo, existencialista, Jean-Paul Sartre em seus estudos e reflexões sobre a imaginação observa: “O ato de imaginação é um ato mágico. É uma encantação destinada a fazer aparecer o objeto no qual se pensa a coisa que se deseja de modo a dela se tomar posse” (1940:161).

Aqui o objeto evocado e encantado é no sentido do pensamento, da contribuição de uma vida dedicada a realização de relações de aprendizagem; aqui o objeto é a pessoa que pensa, que se dedica ao ato concreto/mágico e humano de ensinar arte, desafiando seus aprendizes de arte/educadores a pensar dialeticamente quando afirma: arte não se ensina, embora tenha dedicado toda sua vida a ensinar arte.

Aqui revelo a pessoa/arte/educadora que quero enaltecer por ser ela memória viva, portanto parte importantíssima da história da arte/educação de nosso país - Noêmia de Araújo Varela.

E porque falar de D. Noêmia em uma reflexão sobre a Arte na Perspectiva da Inclusão?

Diria que por variadas razões e certamente em se tratando de D. Noêmia, todas seriam plausíveis, mas me deterei em algumas: D. Noêmia foi a primeira arte/educadora brasileira, nordestina, a alçar voos interligando Arte e Educação Especial, tendo criado nos anos 50 um atelier de arte na Escola Ulisses Pernambucano da rede estadual de Pernambuco (essa escola existe até hoje e homenageou a mestra Noêmia Varela colocando seu nome no auditório).

Se tudo isso não bastasse, destaco que a arte/educação nacional precisa olhar para a sua história, como observa Ana Mae: “...A história é importante instrumento de auto identificação” (1996:11), respeitando e enaltecendo nossos heróis e heroínas.

D. Noêmia é uma de nossas heroínas por sua inteligência e sensibilidade, por sua dedicação e espírito aberto aos estudos, pela coragem de ser aprendiz aos 80 anos, ensinando para cada um de nós a beleza de inventar/reinventar cada dia como se cada um deles fosse todo um complexo universo cheio de sutilezas a serem descobertas - é assim que nossa mestra pensa as obras de arte, a estética do cotidiano e o pensar/fazer estético e artístico de seus alunos/aprendizes.

A beleza maior de D. Noêmia é se relacionar com variadas pessoas respeitando todos os saberes, respeitando as diferenças e neste sentido a lição maior que aprendemos com ela é olhar para as pessoas especiais/diferentes pelo ângulo das potencialidades e não pelo ângulo das deficiências.

A homenagem aqui revelada forma com a história da arte/educação uma espécie de amálgama que se reflete e se desvela na história da arte/educação especial fazendo aparecer à perspectiva do gênero exatamente porque as grandes e profundas transformações na arte/educação brasileira têm sido levadas adiante pelas mãos inteligentes das mulheres/educadoras.

A formação de tal amálgama histórico justifica-se quando Ana Mae Barbosa, arte/educadora reconhecida dentro e fora do território nacional afirma ter pais intelectuais: Noêmia Varela e Paulo Freire.

Novamente lembro Ana Mae dizendo: sem história não podemos construir identidade, sem história não podemos pensar nem agir como coletividade, como categoria.

Após esta breve introdução chamo a atenção para as contribuições da Arte para a Educação Especial na perspectiva da inclusão.

Arte/educação não propõe modelos de CERTO e ERRADO, ao contrário um processo arte/ educativo busca trabalhar a construção de hipóteses partindo do princípio, da interação dos saberes, por isso mesmo tal processo se dá no coletivo, incluindo a participação – a voz, o olhar, o tocar, o pensar/sentir – de TODOS.

Neste sentido a arte/educação é multicultural, pois não apenas propõe o respeito às diferenças, mais reconhece os diversos sistemas construídos histórico/socialmente, ou seja, os modelos de perceber, agir, pensar, crer, avaliar, simbolizar, ler, criticar, fazer e refazer conhecimentos/saberes das culturas minoritárias contrapondo-as dialeticamente as culturas majoritárias.

Quero dizer assim que o portador de necessidades especiais é um sujeito concreto, histórico/ social que constrói sua subjetividade – sua identidade – seu jeito de compreender e estar no mundo a partir da relação dialética: potencialidade x dificuldade, igual a novas potencialidades que se traduzem em novas maneiras de se adaptar ao contexto/sistema hegemônico e criticá-lo, mas principalmente forçar tal contexto a se modificar, se abrir, a não ser tão excludente.

Vivemos um tempo de mudanças de paradigmas na educação brasileira, talvez o mais importante deles seja o apontar para uma organização social inclusiva. Fato que não se dará apenas pela imposição de um comportamento politicamente correto, mas pela mudança profunda de mentalidades.

Tal mudança não acontece por decreto sendo necessário a mobilização de todas as esferas da sociedade, inclusive a Escola, modificando suas altitudes pela consciência, a forma de educar, lidar, tratar o portador de necessidades especiais considerando-o e abrindo-se para a luta das minorias. A Escola dessa forma é um espaço privilegiado porque construímos saberes a partir de negociações e interações entre diversas culturas sejam elas majoritárias ou minoritárias.

O campo da arte e da arte/educação tem algo a dizer através da Mostra do Redescobrimento Brasil + 500, pois sua composição apesar de tender para a espetacularização impõe aos seus visitantes/ leitores um olhar a multiculturalidade brasileira, tanto do ponto de vista da profundidade quanto do desafio dos leitores a um olhar não excludente. Na mostra destaca a arte indígena, arte negra, a arte ainda denominada preconceituosamente de popular e a arte dos “loucos”.

Sobre esta última, o artista Bispo do Rosário com a exposição de suas roupas/artefatos, suas coleções/instalações desafiam os olhares mais conservadores, mas provavelmente nenhum deles pode ignorar a arte de Bispo mesmo porque paira magicamente sobre esse espaço o espírito reformador crítico e inventivo da Dra. Nise da Silveira. Assim se evidencia a coragem dessa grande psiquiatra brasileira, nordestina, que tratou as diferenças – a loucura – de forma diferente, considerando as potencialidades estéticas e artísticas de seus pacientes, sendo relembrada e tomada como referência na peça Anjo Duro com direção de Luis Valcazaras.

Esta peça abriu espaço no festival de Teatro de Curitiba (2000), através da rubrica Teatro dos Incluídos, para discutir pela via das cartas da Dra. Nise ao filosofo Spinosa seus processos terapêuticos, seu modo revolucionário de compreender e tratar a loucura.

D. Noêmia participou durante os anos em que morou no Rio de Janeiro (e foram muitos) do grupo de estudos Jung criado e coordenado pela Dra. Nise, elas foram amigas e D. Noêmia até hoje fala da amizade entre ambas de forma muito especial.

As mulheres aqui destacadas influenciaram-se mutuamente e nunca separaram o eu pessoal do eu profissional, são mulheres marcantes por suas posições críticas, reformistas e por suas inventividades.

A perspectiva da inclusão pela via da arte é feminina no gênero, é multicultural na pedagogia, é reformista na práxis e ela tem nomes – é encarnada – , ela reconhece suas heroínas – mulheres – que veem longe, criticam com sensibilidade propondo novas formas não fechadas de construir e reconstruir, inventar e reinventar a Educação, a Arte, a Psiquiatria, o mundo, as relações sociais, por isso a

Arte na Perspectiva da Inclusão no meu ponto de vista deve homenagear para não cometer equívocos históricos às figuras carismáticas de Noêmia Varela, Nise da Silveira e Ana Mae Barbosa1. Essas mulheres/arte/educadoras têm ensinado a delicadeza de não conhecer as deficiências como entraves, mas olham para elas, as tocam e as transformam partindo das potencialidades, da capacidade própria do ser humano de quebrar limites, inventando no cotidiano maneiras divergentes de enfrentar os desafios, sendo elas próprias vislumbres dos segredos da vida.

Referencias bibliográficas

BARBOSA, Ana Mae.(org.). Historia da Arte Educação. São Paulo, Max Limonad, 1996.

SARTRE, J.-P. L’ Imaginaire. Paris, Gallimard, 1940.

1 Ana Mae sistematizou nos anos 80/90 a Abordagem Triangular: sistema que articula três vertentes – a Contextualização, a Leitura da Obra de Arte / Estética do Cotidiano e o Fazer.

A ARTE NO CONTEXTO ESCOLAR: UM ESPAÇO DE EXERCÍCIO DE CIDADANIA E, NELA, DE ALTERIDADE
Alice Fátima Martins

RESUMO DE PALESTRA

Alteridade é o reconhecimento do outro, desde si, em sua constituição identitária de ser humano, ou pessoa. Ou seja, pressupõe o respeito desde si mesmo ao outro que, a despeito de possíveis diferenças, permaneça reconhecível em sua natureza própria, humana. O pretendido é defender a ideia de que as Artes na Educação representam espaço fundamental para o exercício da cidadania e, nela, de alteridade. Para isso, será tomado enquanto referência de reflexão o ideário educacional que norteou a criação das Escolas Parque, bem como o trabalho de Ensino de Arte desenvolvido, atualmente, na Escola Parque da EQN 303/4, da rede pública de ensino de Brasília/DF, que atende a cerca de três mil alunos, entre os quais, crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais.

Ao longo da história, o homem vem se organizando em diferentes culturas e civilizações, construindo formas próprias de arte, com funções e conceitos próprios. Em todos os tempos, o homem tem produzido arte na construção de sua identidade enquanto agentes efetivos de cultura ligados a seus tempos e espaços referenciais. E são múltiplas e diferenciadas as produções em arte assim realizadas pelo homem. Ressalte-se, portanto, que a importância do Ensino de Arte no contexto escolar consiste em assegurar às crianças, jovens e adultos em formação, o pleno acesso ao conhecimento artístico, situando-os em sua cultura, em seu tempo histórico social e educacional.

Os fazeres artísticos trazem a marca de quem os produz e do contexto cultural em que são produzidos. Cada pessoa formula construções expressivas únicas, que, ao mesmo tempo, refletem as visões coletivas de mundo. Uma pessoa que desenvolva caminhos próprios de expressão e de leitura estética do universo pode interagir de modo efetivo com seu contexto social e cultural, num processo contínuo de aprendizagens e de reconstrução dos modos de expressão. Além do que, o conhecimento artístico possibilita aos indivíduos respeitar as suas próprias manifestações enquanto revelações diferenciadas um do outro e, por isso mesmo, conhecer, respeitar e apreciar tais manifestações, na riqueza que o encontro entre essas diferenças e/ou semelhanças possa significar. O outro, aqui, é entendido enquanto a outra complexidade de cultura, a outra pessoa, as condições diferenciadas de viver e, assim, apresentar ao mundo, consequentemente, diferentes formas artísticas que resultem desses diferentes contextos e condições de produção, no âmbito da criação artística e da vida.

É nesse sentido que a arte constitui um espaço de exercício de alteridade, do reconhecimento da saudável plenitude das diferenças, dos quantos outros que convivem no ambiente escolar, social e cultural, em comunidade. Na escola, o grande vetor do ensino de Arte é a cidadania, princípio segundo o qual o outro não é o estranho, mas o coparticipe ativo da construção de identidade, de produção de signos, de exercício e conhecimento das linguagens artísticas. A arte na escola constitui, pois, o espaço de excelência para esse exercício vivencial, essencial à construção de aprendizagens.

ARTE: LIMITES E POSSIBILIDADES
Virgínia Vendramini

RESUMO

Sou totalmente cega desde os 16 anos. Antes, via pouquíssimo. Ninguém poderia supor, então, que um dia viria a ser uma tapeceira, trabalhando com formas e cores, criando e executando meus próprios desenhos.

Nasci em 1945, no interior de São Paulo, onde Educação era privilégio e educação especial simplesmente não existia. Possuindo apenas um resido visual, não frequentava escolas como meus irmãos. Passei a ser um problema: O que ensinar a uma menina quase cega?

Meus pais nada sabiam de estimulação, mas tinham bom senso. Lápis de cor, aquarelas, quebra-cabeças, revistas para recortar, retalhos de tecido, caleidoscópios foram meus brinquedos.

Aos 10 anos conheci o Sistema Braille. Aos 16 anos ingressei no instituto Benjamin Constant, onde recebi excelente instrução acadêmica.

O passo seguinte foi a Universidade. Cursei Português e Literatura, Matérias que lecionei durante 27 anos.

A poesia foi o começo. Aos 13 anos fiz meus primeiros versos. Os tapetes vieram bem mais tarde. Durante minha vida escolar não recebi educação artística. Nem mesmo as formas geométricas mais simples me foram mostradas. Mas formas e cores estavam gravadas em minha memória de maneira indelével, semeadas pelos brinquedos coloridos da infância.

Meu primeiro tapete aconteceu em 1974 e foi uma revelação maravilhosa.

Quis aprender algumas técnicas de tapeçaria. Não encontrei quem me quisesse ensinar. Sendo os desenhos riscados na tela, eu não teria como executá-los. Resolvi, então, criar meus próprios desenhos.

Primeiro foram linhas retas, quadrados, retângulos, tudo em cores contrastantes. As cores e formas tão familiares na minha infância ali estavam sempre diante de mim, ou melhor, dentro de mim.

Aprendi as técnicas básicas da tapeçaria examinando trabalhos de outras pessoas e fui criando um jeito meu de executar os desenhos que a fantasia me sugeria. Passei a usar muitas cores, tons em dégradé e para não me perder com tantas meadas de lã, colocava em cada uma, etiquetas em Braille, tomando sempre o cuidado de guardar uma meada, antes de pegar uma de outra cor.

Ao contrário do que se faz habitualmente, começo o tapete sempre pelas bordas, fazendo todo o contorno. Depois, com o espaço delimitado, é mais fácil inventar desenhos, contando pontos, somando, dividindo, multiplicando os quadradinhos da tela, conforme a exigência do desenho.

Não planejo um tapete. Escolho as cores e começo a trabalhar, deixando que cada traço sugira o seguinte.

Jamais pretendi que meus tapetes fossem considerados obras de arte.

Não conheço técnicas de desenho, nunca aprendi o uso correto das cores, muito menos os mistérios da geometria. Mas entrelaçar formas, intercalar cores, resolver problemas matemáticos na divisão do espaço é um desafio constante e vencê-lo um grande prazer. Se as pessoas gostam, o prazer é ainda maior.

Depois de 26 anos debruçada sobre telas e lãs, telas e tintas são um convite tentador, um caminho novo a trilhar. Tinta na mão, mão deslizando na tela... nenhuma referência tátil. Apenas a imaginação, os tubos de tinta com etiquetas em braile e muitas dúvidas, muitas perguntas: A tela estará toda coberta? Como estabelecer limites entre as cores? Como pintar uma forma simples, um círculo, um quadrado? Aos poucos vou encontrando algumas respostas, maneiras de resolver dificuldades e a tinta, em princípio tão esquiva ao meu desejo de “criar”, aos poucos se torna algo suave na mão.

Acho muito difícil uma pessoa cega trabalhar com tintas e pincéis. Com método e paciência, porém, é possível conseguir resultados bem interessantes. Tenho ainda muito o que aprender em relação às tintas, mas já não afirmo que é impossível um cego pintar, dentro de suas limitações, é claro.

Sou hoje uma tapeceira e durante muito tempo acreditei no que me diziam.

Um dia resolvi tentar, mas tentar com vontade, vencer os preconceitos em mim incutidos pela avaliação precipitada de pessoas que afinal não conheciam minhas aptidões. Quantos de nós cometemos esse erro, inibindo um talento ou retardando seu florescimento?

Fui professora por 27 anos e há 5 anos me dedico exclusivamente aos poemas e tapetes. Sou hoje uma pessoa mais feliz, pois através da Arte conquistei a admiração e o respeito dos que antes me olhavam apenas com comiseração. Além disso, descobri que a arte é também o caminho mais curto para chegar aos corações.

Wellington José Chagas Torres Júnior

Apresentação:

Parte 1 - A conscientização na arte

O primeiro contato na criança, se guarda o potencial criativo, inerente a todo ser humano. No decorrer da vida, nos aproximamos ou não de uma dedicação à atividade artística. O que buscamos na arte, é a sensação de liberdade de pensar e fazer. Dom de Deus dado a toda criança.

O exercício do autoconhecimento

O primeiro estímulo pode ser interior ou exterior, mas a maior sensação do artista portador de deficiência, é a de experimentar se ver de fora, ser observado sem ser visto. A emoção de conhecer, pensamentos e sentimentos, guardados no seu “EU”.

O prazer na libertação da expressão artística

A primeira reação na manifestação de qualquer artista, portador ou não de deficiência é a de poder falar sem palavras, acariciar sem tocar, agredir sem violência, amar ou odiar, calado ou não, falar o que seu novo espírito independente descobriu.

Parte 2 – O grande divisor

A orientação sobre arte processo e arte produto

Definições que tornam a arte, um processo terapêutico, de reabilitação, ou um produto pronto para sair e se mostrar ao mundo. Rotular o tipo de arte, a torna menor?

O dilema da passagem

A consciência de seu posicionamento, o leva a um processo disciplinar e de crescimento imprescindível a sua condição.

Consciente, a busca do mercado

Ser profissional é não se esconder na condição de deficiente. O que faz a diferença para o mercado é talento, capacidade e disciplina.

Parte 3 – Arte e Tecnologia podem trabalhar juntas?

O computador – Amigo ou inimigo?

Avanços tecnológicos, recursos e globalização... benefícios sim, mas que não estão disponíveis a todos. Qual o papel fundamental da escola e das associações?

Realização, esse é o grande segredo

O objetivo final de qualquer atividade é a realização, pessoal ou profissional.

Alcançar independência financeira ou um sonho de infância.

Tornar-se uma estrela ou formar uma família. Na arte, os caminhos são vários, mas o segredo do sucesso está em tornar-se um ser humano feliz.

ARTE JORNADA PARA AS ESTRELAS
Arnaldo Augusto Godoy

Sem nenhuma pretensão acadêmica podemos afirmar que, ao longo da história, a Ciência da Educação sofreu mudanças que traduzem a necessidade humana de desvendar os horizontes dos indivíduos. A compartamentização do conhecimento em áreas estanques tem sido, até recentemente, o grande pecado do processo educativo. As mudanças a que me referi buscam ampliar conceitos, agregar valores, incorporar métodos e técnicas na ação pedagógica. Esse é o esforço de pensadores e educadores no sentido da totalização do conhecimento na formação holística do indivíduo. O cognitivo, o emocional, o afetivo, o intuitivo são aspectos que se fundem e se complementam permitindo, por parte do educando, uma compreensão melhor do seu entorno e de si mesmo.

E a arte, que papel desempenha nesta história? A meu ver a arte é o elemento possibilitador da transgressão, da superação dos limites e das regras. A arte escapa a qualquer censura. A arte nos remete à liberdade, à autoestima. Quem se aventura no mundo artístico, deixa fluir a criatividade, é proprietário de um poderoso instrumento: a liberdade de pensar e se ver “uno”, diferente, distinto, inimitável.

Todos, absolutamente todos, podem alçar voos no espaço artístico, independentemente de sua condição físico-sensorial. São poucos os “Pelés”, os “Maradonas”, os “Garrinchas”, mas, quem não bate uma bolinha? São também poucos os “Guimarães Rosa “, as “Adélias Prado “, os “Machados”, mas quem não arrisca uns versos de amor. Beethoven, Chico e Elis não emudecem a tantos, sem tantos talentos. Quem não dá suas pinceladas ainda que sabendo de Van Gogh, Picasso e de Portinari?

Sem fronteiras, a arte não tem limites, não tem barreiras a não ser a do preconceito, da exclusão, da injustiça. As possibilidades da arte são tamanhas no sentido da humanização e valorização do homem. Os limites são dados só e tão-somente pela experiência, pela vivência e oportunidade de cada um.

A arte desconhece diferenças, desconhece limites e por isso mesmo nos coloca a todos em pé de igualdade.

O COMPROMISSO DA EDUCAÇÃO FRENTE À ARTE, A CULTURA E A INDÚSTRIA O ENTRETENIMENTO
 Alcione Araújo

É esquizofrênica a separação entre educação e cultura na formação de um ser. A educação é o braço sistematizado da cultura. Há que se pensar em formas de familiarizar crianças e adolescentes com as produções do espírito, conquistas da humanidade.

O quadro social brasileiro, de empobrecimento crescente, desemprego, e ampliação da exclusão, é também decorrência do secular abandono da educação e até mesmo da cultura. Sabe-se que no Brasil a maioria esmagadora das famílias não possuem sequer um livro em casa, nenhum instrumento musical, não frequenta cinema, teatro, etc.

O debate sobre cultura no Brasil está prejudicado pela baixa escolaridade. A continuar nessa marcha, em pouco tempo, a cultura-literatura, música, teatro, cinema, dança, artes visuais, etc. – será luxo elitista, inacessível à maioria.

A superexposição aos meios de comunicação, de capilaridade continental e poderosa penetração em quase todos os domicílios do país – o Brasil tem mais televisores do que geladeiras! – Com uma produção industrial de entretenimento comprometida exclusivamente com a audiência e desinteressada de qualquer discussão sobre educação, arte, cultura, códigos de ética, horários seletivos, etc.

Reduzir o quanto possa a esquizofrênica distância entre educação e cultura é uma urgência nacional e preocupação pessoal de Alcione Araújo.

Alcione Araújo escreve a mais de vinte e cinco anos, peças de teatro, roteiros de cinema, telenovelas e séries para televisão, romances e ensaios. É pós-graduado em Filosofia. Foi professor de autores, diretores e atores, participou da fundação de cursos e escolas de teatro. Também já foi diretor, hoje dedica -se a escrever (e fazer palestras).

Até onde alcanço, ok.

BIBLIOGRAFIA

Nem mesmo todo o oceano (romance) (1998)

Simulações do naufrágio – Volume I (1999)

Visões do abismo – Volume II (1999)

Metamorfoses do pássaro – Volume III (1999)

Coleção Dramaturgia de Sempre

Direção Alcione Araújo

A caravana da ilusão – vol.1 – Autor: Alcione Araújo

Os dous ou o Inglês Maquinista – vol. 2 – Autor: Martins Pena

Ó Abre Alas – vol. 3 – Autor: Maria Adelaide Amaral

A MÍDIA EM DIÁLOGO COM A DIVERSIDADE
Geraldinho Vieira

O jornalismo brasileiro vem, gradualmente, sintonizando-se com a pauta da inclusão social.

Neste sentido, duas grandes áreas de mobilização têm sido, nesta década, responsáveis pela consolidação de um novo olhar jornalístico sobre a desigualdade. São elas, os direitos da criança e do adolescente e a responsabilidade social empresarial.

Para se ter uma ideia, em 1996 a ANDI - Agência de Notícias dos Direitos da Infância registrou em suas pesquisas cerca de 9 mil reportagens sobre crianças e jovens publicadas nos 48 maiores jornais do país e em 6 revistas de circulação nacional. Em 1999, este número cresceu para quase 49 mil reportagens.

Entre os temas mais abordados pela mídia jornalística, Educação – neste período – foi aos poucos ganhando espaços e saltou de 12 lugar para o primeiro. Atrás estão Saúde, Violência,

Direitos & Justiça e Terceiro Setor, mas o ranking da ANDI classifica as reportagens em 15 diferentes “retrancas” – muitas delas com “sub-retrancas”.

Deve-se observar que entre os temas não citados encontram-se muitas “pautas quentes” e que já estiveram nos melhores lugares do ranking, tais como Exploração do Trabalho Infantil, Exploração e Abuso Sexual, Drogas, Mortalidade Infantil e Meninos (as) em Situação de Rua, só para citar exemplos.

Segundo os relatórios da ANDI, a inversão de temas no ranking deve-se sobretudo ao fato de que as grandes denúncias do início da década impulsionaram o noticiário em torno dos temas que mais diretamente relacionam-se a soluções para os problemas sociais. Desta forma, mais que discutir/ denunciar a presença de meninos nas ruas, a imprensa está se dedicando a mostrar os esforços (e a cobrar) das políticas públicas quanto à universalização da Educação.

O curioso é que todos estes temas têm uma linha de crescimento quantitativo na década, mas alguns deles (os atuais primeiros colocados) cresceram de forma muito mais acentuada.

Entre os temas com menor destaque quantitativo, está o que a ANDI classifica como “Deficiências”, com cerca de 400 reportagens em 1999, ou seja, pouco menos de uma reportagem por mês em cada grande jornal pesquisado. Destas, 37,68% abordam o tema do ponto de vista da inclusão social; 14,98% tratam da inclusão na escola e 9,9% debruçam-se sobre aspectos relacionados à saúde da pessoa com deficiência. O restante aborda questões como esporte e outros aspectos de menor relevância.

Na Pesquisa Infância na Mídia (realização da ANDI em parceria com o Instituto Ayrton Senna e com apoio do Unicef), “Deficiências” aparece com maior número de reportagens do que Meio Ambiente, Mortalidade Infantil, Crianças Desaparecidas e Meninos (as) em Situação de Rua.

Vale observar que entre os suplementos de jornais e revistas dedicados à adolescência, a situação não se altera: ao lado de temas como Aids, Gravidez, Protagonismo Juvenil, Sexualidade 9entre outros), “Deficiências” aparece em penúltimo lugar no ranking, à frente apenas de meio Ambiente na

Pesquisa Os Jovens na Mídia (ANDI/Instituto Ayrton Senna/Unesco) de 1999. Trata-se de uma média de apenas 1 reportagem por ano em cada um dos 31 veículos (suplementos de jornais e revistas) pesquisados.

Vícios e desafios

Existem muitas formas de compreender por que o assunto está lentamente ganhando espaço e também por que tal movimento é mais lento do que gostariam os especialistas na área ou do que a urgência da inclusão necessita.

Entre tantas razões, talvez ocupe lugar de destaque uma certa “invisibilidade ”da pauta: as cidades estão de tal forma despreparadas para o conforto daqueles que têm deficiências mais graves que estas pessoas simplesmente não estão nas ruas. E se não estão nas ruas não causam impacto: não incomodam e não emocionam a população.

Outra razão diz respeito também à capacidade dos atores sociais (fundações, ongs e pessoas) em mobilizar encontros, protestos e alterações mais significativas nas políticas públicas. Sem fatos – diz a regra geral – a imprensa não tem razões para cobrir.

Mas mesmo isso é relativo e, correndo o risco do trocadilho, podemos dizer que depender tão claramente de fatos novos é uma deficiência da própria mídia. E não seria exagero dizer que quanto mais escondida é a  pauta, melhor é a pauta e melhor o jornalista que a trouxer à luz.

De qualquer forma, as fontes de informação precisam acordar para o fato de que cada área social está brigando com outras, de igual relevância, por seu espaço de legitimação pública (de mídia).

Com pouco contato com as fontes, a imprensa não saber como cobrir a questão das pessoas com deficiências.

Quando o faz, comete erros como:

- A vitimização (“preso a uma cadeira de rodas”),

- A compensação (“compensa a falta de visão pelo talento musical”)

- O exagero emocional (“só movimentando a cabeça e preso a uma cadeira de rodas....se formou em Direitos pela Universidade...”).

- A capacidade reduzida (“ela é cega mas mora sozinha há 15 anos”)

Como se não bastasse, multiplica-se a utilização de termos politicamente incorretos que usualmente deixam os “especialistas” de cabelo em pé.

Com um quadro de fraca capacitação dos jornalistas para a cobertura do tema, talvez ainda estejamos muito distantes do dia em que os jornalistas saberão diferenciar, por exemplo, inclusão de integração. O que se pode dizer, hoje, é que eles, os jornalistas, se formam a partir de um contato mais profissional e permanente com as fontes. E que as fontes devem então profissionalizar sua relação com a mídia.

A qualidade da informação (em qualquer área) é uma resultante da responsabilidade compartida entre as fontes e os jornalistas. E, claro, do curriculum universitário. Infelizmente, nas faculdades de Comunicação os Direitos Humanos ainda são uma pauta ignorada e os grupos sociais devem buscar forças para cobrar também que as universidades se atualizem.

(*) Geraldinho Vieira é jornalista e diretor executivo da ANDI - Agência de Notícias dos Direitos da Infância

CULTURA POPULAR E INCLUSÃO
Franciscus van der Poel Ofm

Diz o teólogo Clodovis Boff: - “A formação histórica do povo brasileiro explica um traço especial, ainda que não exclusivo, da atual cultura no Brasil: - a sua forte tendência para o sincretismo. O ‘brasileirismo’ pode caracterizar-se através de uma capacidade particular pela arte combinatória, por uma arguta capacidade de misturar, de mesclar tudo, de articular o um e o múltiplo, de trabalhar com a lógica da inclusão, enfim, de privilegiar a diversidade, a variedade e a complementariedade.” (BOFF, Clodovis.Frei. Nossa Senhora e Iemanjá, Maria na cultura brasileira. Petrópolis, Vozes, 1995. p.8.)

INTRODUÇÃO

Apresentamos aqui alguns pensamentos surgidos na experiência concreta da convivência com o povo.

Há quinze anos moro na antiga Colônia Sanatório de Santa Isabel, em Betim-MG. Por isso, falo dos hansenianos e do Coral dos Tangarás de Santa Isabel.

Antes, morei em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha (MG). Durante dez anos, trabalhava na formação dos líderes das comunidades eclesiais de base, fundei o Coral Trovadores do Vale, e dediquei-me à Irmandade de Nossa Senhora dos Homens Pretos de Araçuaí. Quem pensa sobre a relação entre a cultura e a organização popular, se vê diante de uma realidade complexa. Para progredirmos na reflexão é necessária a boa colocação dos problemas desde o começo. [Mostrar o bobo da corte]

INCLUIR

“Inclusão” é um termo recente, que tem uma história que aqui resumimos destacando os principais conceitos usados.

Nos anos anteriores à ditadura militar, visava-se a “conscientização” dos direitos, surgiu o Movimento da Educação de Base (MEB) e Paulo Freire escreveu a “Pedagogia do Oprimido”. A cultura popular, sinônimo da identidade de um povo, é considerada um elemento básico para o desenvolvimento das comunidades e do País. Glauber Rocha e outros artistas do Cinema Novo carregaram esta bandeira; assim como vários músicos e escritores.

Depois da ditadura, continuam a conscientização e a luta pelos direitos. Intelectuais e religiosos partem do centro para a “periferia”, para viver a “inserção” em meio aos “marginalizados”. - Enquanto na Igreja acontece a chamada “opção pelos pobres”, valorizando-se a religiosidade popular, a teologia da “libertação “ainda não valoriza a cultura popular. (O mesmo fazia o socialismo de Estado, na Europa.) A irreverência do carnaval, a fartura das festas, a magia da umbanda, a paixão pelo futebol lhes parecia estar atrapalhando a virada revolucionária. Articulam-se movimentos contra a “discriminação” do negro e da mulher. Aos poucos, os “marginalizados” passam a ser chamados de excluídos.

Num terceiro momento, surge maior respeito. Os “menores abandonados” são chamados de meninos e meninas de rua, os “leprosos” insistem em ser chamados de hansenianos, a “macumba” vira culto afro-brasileiro. Além disso, a luta anti-manicômio visa a volta dos deficientes mentais à suas famílias e comunidades. Rampas em prédios públicos e o acesso a próteses de boa qualidade facilitam a participação dos deficientes físicos na vida social. Os hansenianos recebem o tratamento no posto de saúde das suas cidades e as colônias são desativadas. Inicia-se assim a era da “inclusão” que significa uma emancipação social, cultural e política.

Na minha experiência, vejo a luta do hanseniano, que visa sua integração na sociedade, a peleja do pobre do Jequitinhonha para conseguir um nível de desenvolvimento igual às outras regiões de Minas e o sonho dos negros das Irmandades do Rosário de ver a memória da escravidão e da África e a sua experiências religiosas valorizadas nas igrejas cristãs. Tudo isso faz parte da busca de uma sociedade inclusiva. Com urgência, precisamos de uma educação inclusiva.

CULTURA POPULAR

No Vale do Jequitinhonha (MG), registrei parte da cultura popular em 15.000 folhas datilografadas. O material classificado em pastas mostra a vida do pobre do levantar ao deitar e do nascer ao morrer; e inclui, o trabalho da parteira, a vida da criança, o tempo do namoro, a religião, o amor, o lazer e a festa, toda forma de trabalho, os perigos, a defesa contra inimigos, as doenças, a sabedoria e a morte. Há cantos, histórias, rezas, provérbios e muitas entrevistas. Observamos que o povo guarda suas coisas enquanto tiverem sentido na sua vida. Para quem não é pobre, é difícil pensar a partir do pobre para compreender o porquê da reza da espinhela caída, das simpatias e de muitos outros assuntos. Mas uma coisa é certa: A cultura é vida. É o rico patrimônio dos pobres.

Outros aspectos essenciais: a cultura é vivida em comunidade e tem tudo a ver com a história de cada grupo. Importante é lembrar que a história do pobre e do deficiente não foi escrita. Isto fica muito claro no caso dos “leprosos”, nas colônias. Encontramos a história dos médicos, dos padres e das religiosas em revistas e monumentos. Não encontramos a história dos doentes (os suicídios na colônia; o que acharam dos tratamentos; quem fundou o primeiro time de futebol) a não ser na memória deles próprios.

Fora disso, é importante lembrar que a cultura brasileira não é uma coisa singular. De acordo com as classes sociais, a variedade racial e o lugar geográfico, existe uma grande diversidade de culturas.1

Finalmente: A inclusão tem tudo a ver com a maneira de se entender a sociedade brasileira como um todo. Enquanto continuar a injusta distribuição de renda, enquanto houver excluídos, enquanto existir uma alienação forçada, será difícil falar de uma cultura popular que expresse a união na diversidade do povo brasileiro. Na realidade, existem a cultura da elite privilegiada, a cultura dos marginalizados, e uma terrível cultura de massa controlada pelos poderosos donos da mídia. É necessário que sejam rompidas as correntes visíveis e invisíveis do poder econômico que condicionam nosso povo. Na opinião do músico Leonardo Sá, “o caminho alternativo não é apenas uma alternativa, mas o único espaço que nos resta. É nosso espaço real que precisamos ocupar no sentido de compromisso, de engajamento. ”2 Do outro lado, a cultura é elemento de transformação. Isso nos permite acreditar que, através de um difícil amadurecimento social e democrático haveremos de chegar a uma cultura que é nossa.

OS HANSENIANOS DA COLÔNIA DE SANTA ISABEL

Na ex-Colônia de Santa Isabel e no bairro anexo Citrolândia (20.000hab.) moram cerca de 1500 pacientes hansenianos. O hanseniano ainda é discriminado, embora estejamos convencidos que a melhoria do tratamento paulatinamente fará desaparecer a feiura dos doentes e o medo exagerado do contágio.3 Numa política assistencialista, durante 50 anos, o governo providenciava casas, tratamento, alimentos, rede de água, eletricidade e esgoto, mas tornava o doente socialmente inútil.

Hoje, muitos ex doentes e não doentes pedem esmolas por carta dizendo “estou neste triste leprosário, sem recursos, longe dos meus parentes, cumprindo a sorte que Deus me deu”. Isto chama-se “bater gato”. Desta maneira eles mesmos continuam divulgando o antigo estigma do doente confinado; e até hoje chegam em Santa Isabel as caravanas de vicentinos, espíritas e outras boas almas distribuindo roupas, alimentos e esmolas, principalmente na época de Natal. Boa parte dos pedintes não precisa destas doações. Muitos têm 3 ou 4 aposentadorias com nomes diferentes. Outro tanto prefere pedir e não trabalhar.

Pois bem, nesta mesma colônia encontramos o Movimento da Reintegração dos Hansenianos(MORHAN) que faz campanhas de esclarecimentos sobre os novos remédios e sobre os direitos do doente. No dia mundial do hanseniano, a entidade organiza anualmente o “Concerto contra o Preconceito”. Além disso, mantém uma rádio comunitária. O Coral dos Tangarás de Santa Isabel, fundado em 1936, ensaia 3 horas por semana, canta música popular brasileira e religiosa. Já esteve várias vezes na TV, e seus 40 músicos doentes e não doentes pretendem ser um pedaço de uma nova sociedade, na qual o doente seja respeitado e incluído. Estamos preparando a gravação de um CD. O coral, cantando fora da colônia, representa a comunidade dos doentes e mostra a dignidade do hanseniano.

Outro exemplo desta representatividade está na escola de samba “Unidos de Citrolândia”, que faz parte da nossa comunidade. No carnaval de 1986, ela ganhou o primeiro lugar entre as 5 escolas de samba convidadas pela Prefeitura de Betim. Imaginem o que significa para o doente, marginalizado por defeito físico, ser premiado justamente na exibição do corpo. Ora, antes do sucesso, a escola e seus ensaios não levavam boa fama. Era aquela turma barulhenta, tropa sem vergonha etc. Após a vitória, observei o povo comentando: A escola de Samba de Citrolândia ganhou! Outros diziam:

Nossa escola de samba ganhou! Alguns até falaram: Nós ganhamos!

OS POBRES DO JEQUITINHONHA

Nas pesquisas em Araçuaí (1968-1978), tive a indispensável companhia da amiga e artesã negra Maria Lira Marques Borges. Gravamos muitas músicas que se tornaram o repertório do coral

Trovadores do Vale. Os membros do coral são pobres, cantam músicas frequentemente gravadas com seus próprios pais. Nos anos de convivência com o grupo, vi como é difícil fazer a turma acreditar que suas músicas têm valor. É que na cidade existe um conceito de cultura que provoca no povo pobre um sentimento de inferioridade. Concretamente, fizemos uma cantoria em São Paulo. Ao verem a dança dos batuques locais aparecer na TV, algumas pessoas da alta sociedade de Araçuaí (se é que existe isso por lá) comentaram: - “Isto é só para mostrar como Araçuaí é atrasada.” Para vencer isto dentro do coral, tivemos o apoio dos estudantes do Campus Avançado(PUC.MG/ABC Paulista) que frequentavam os ensaios com entusiasmo. O coral cantou no Programa Som-Brasil e hospedou-se no Othon Palace Hotel, em São Paulo. Em 1983, ganhou o prêmio Entidade Cultural do Estado pelo Conselho Estadual de Cultura. Gravamos um LP, etc., etc.,. Aos poucos aprendi que ajudar o povo é, em primeiro lugar, dar valor àquilo que ele já tem. Isso tentamos colocar em prática.

Ninguém no Coral entende a escrita musical. Mas nós apresentamos as músicas do mesmo jeito que o povo nos ensinou. Para cantar folia, dançar batuque, brincar de roda, nunca foi preciso conhecer a teoria musical dos conservatórios. O Coral tem um conselho eleito de seis pessoas que se mostrou capaz de enfrentar qualquer problema do grupo. A secretária faz a crônica dos Trovadores há 30 anos. É o pobre escrevendo a sua própria história. Há 23 anos saí de Araçuaí, mas vejo o grupo caminhando com as próprias pernas. Também, pudera, nunca fiz coisas que eles não pudessem fazer.

A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Araçuaí estava em vias de extinção. Tanto a Irmandade, como o grupo dos tamborzeiros estavam sem estímulo e sem liderança expressiva. Em 1977, descobri por acaso o documento da fundação da Irmandade datado em 1879.

Por isso, juntei tudo o que nas pesquisas registramos sobre a cultura negra: documentos de venda de escravos na região, retratos e descrição da festa do rosário, lista cronológica de reis e rainhas, costumes dos tamborzeiros, a triste história dos conflitos entre Igreja e Irmandade etc., a fim de publicar um livro de 318 páginas para comemorarmos o centenário da Irmandade. O próprio documento da fundação da Irmandade mandei encadernar em couro e ouro para entregá-lo publicamente aos irmãos no dia da festa. A partir daquele momento, a Irmandade começou a reviver. Os Homens Pretos, vendo valorizadas a sua história e sua cultura, descobriram-se a si mesmos. Comparo isso com o que disse Eduardo Galeano, falando dos 500 anos da chamada ‘descoberta da América Latina’: “Parece-me porém evidente que a América não foi descoberta em 1492, do mesmo modo que as legiões romanas não descobriram a Espanha quando a invadiram no ano 218 A.C. E também me parece de cristalina evidência que está em tempo de a América descobrir-se a si mesma. (...) A história oficial com seu elitismo e racismo desfigura o passado. Para que ignoremos o que podemos ser, ocultam-nos e mentem-nos o que temos sido”.4 Fato é que a Irmandade do Rosário recentemente festejou o Centenário da Abolição (1988) com uma participação popular e uma consciência negra vigorosa antes inimagináveis em Araçuaí. É o negro, ele mesmo, valorizando a sua cultura. O antropólogo Carlos Rodrigues Brandão, analisando 100 questionários com 28 perguntas respondidas por negros de Araçuaí há 11 anos, chama a atenção pelo fato de que a consciência de valor próprio e o conhecimento da história e da cultura estão mais fortes entre os negros organizados nos terreiros de umbanda e na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário daquela cidade.5

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reforçamos a pluralidade da cultura popular e a necessidade da união na diversidade. A inclusão significa: participar. O hanseniano integrado na sociedade não vai deixar de ser hanseniano, nem para si, nem para a sociedade.

Em muitos doentes, a exclusão prejudicou o equilíbrio emocional. Criou agressividade e carência.

Encontramos hansenianos que optam pela auto discriminação. A participação do deficiente também é ameaçada pelo assistencialismo que cria e mantém dependência. Não é fácil chegar a uma sociedade inclusiva.

Também na própria sociedade encontramos problemas. Em Santa Isabel, observamos que muitos benfeitores carismáticos em seu discurso colocam a solução dos problemas no céu, e que os espíritas colocam a causa do sofrimento do hanseniano no passado, numa outra vida, fazendo caridade para tornar-se um espírito de luz; mas não entregam seus privilégios, sendo extremamente conservadores social e politicamente. É preciso que pobres e deficientes lutem pela mudança da sociedade.

A cultura popular é vida, é dinâmica. Mas seu desenvolvimento não é um processo neutro. A história e a cultura de pobres e deficientes são pouco conhecidas na educação formal. Além disso, a massificação, a globalização, os meios de comunicação controlados por grupos interesseiros ameaçam a sobrevivência desta cultura.

Na cultura popular, a resistência poucas vezes é explícita: [tocar violão]

- Palmatória quebra dedo/ chicote deixa vergão/ Cassetete quebra costela/ mas não quebra opinião.//( Verso de roda)

- O dinheiro de São Paulo/ é dinheiro excomungado/ Foi o dinheiro de São Paulo/ que levou meu namorado.//(Roda)

- Esses pretos se soubessem/ a força que o negro tem,/ não atoleravam/ cativeiro de ninguém.// (Congado)

- Os filhos dos ricos/ em berço dourado/ e Vós meu Menino,/ em palha deitado.//(Bendito de Natal)

Mais comum é a resistência implícita que está no própria fato da cultura existir. Explico melhor:

Enquanto as farmácias estão cheias de remédios sintéticos, a medicina popular continua usando as plantas medicinais. Enquanto o rádio toca música em inglês, continua o samba de roda, a catira, o beira-mar, o acalanto em português. Enquanto as lojas estão cheias de vasilhames de alumínio e de plástico, subsiste o uso de panelas de pedra e botijas de barro.

Muito falamos da história. Escrever a história é uma questão política. A historiografia moderna conta a história do povo e não apenas de uma elite vitoriosa. O primeiro trabalho de promoção de uma comunidade ou grupo é escrever a sua história.

E para terminar, solidarizando-me à fé dos pobres do Jequitinhonha e dos doentes de Santa Isabel, digo: “Vamos gente! O pouco com Deus é muito! ”

NOTAS:

1). Existe diversas culturas brasileiras. Segundo Alfredo Bosi, “estamos acostumados a falar em cultura brasileira, assim, no singular, como se existisse uma unidade prévia que aglutinasse todas as manifestações materiais e espirituais do povo brasileiro. Mas é claro que uma tal unidade ou uniformidade parece não existir em sociedade moderna alguma e, menos ainda, em uma sociedade de classes”.( BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo, Comp.das Letras, 1987. p.308.)

2) Boletim do Centro Latino-Americano de Criação e Difusão Musical. No1. 1988. Belo Horizonte. p.9.

3) Excelente análise destes preconceitos encontramos em: Abreu, Eduardo. Dr. Hanseniase,um estigma através da história. Betim, l984 (manuscrito).

4) Galeano, Eduardo. “O Jaguar Justiceiro”. In: Sem Fronteiras. Março l989. Páginas 28 e 30.

5) Marques, Maria Lira Borges. Gontijo, Altina Maria. Poel, Francisco van der. Brandão, Carlos Rodrigues. Ser Negra No Vale. São Paulo/Araçuaí. l989. (manuscrito) - pág. 92.

BIBLIOGRAFIA:

FRIAS, Jorge Reyes. Cultura Popular. Lisboa, Edições do Instituto de Formação Social e do Trabalho, 1977. 100 págs. (Coleção Labor: nº4)

VALLE, Edênio e QUEIROZ, José J.(Org.) A Cultura do Povo. (3ªEd.) São Paulo, Cortez, 1981. 144 págs. (Coleção do Instituto de Estudos Especiais Nº1)

BRANDÃO, Carlos Rodrigues.(Org.) Pesquisa Participante. (3ªEd.) São Paulo, Brasiliense, 1983. 212 págs.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. (8ªEd.) Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980. 218 págs. (Coleção O Mundo Hoje. Vol.21.)

MAURÍCIO, Ivan. Arte Popular e Dominação. (O caso de Pernambuco: 1961-1977). Recife, Ed.Alternativa, 1978. 108 págs.

MINAS GERAIS. Univ.Católica. Arte Popular na Periferia de Belo Horizonte. Belo Horizonte, UCMG, 1981. 116 págs.

ARANTES, Antônio Augusto. O Que É Cultura Popular. (3ªEd.) São Paulo, Brasiliense, 1982. 84 págs. (Coleção Primeiros Passos. Nº36.)

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O Que é Folclore. São Paulo, Brasiliense, 1982. 112 págs. (Coleção Primeiros Passos. Nº60)

CHAUI, Marilena. Conformismo e Resistência, aspectos da Cultura Popular no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1986. 180 págs.

POEL, Francisco van der. O Rosário dos Homens Pretos. Edição comemorativa do Centenário da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Araçuaí. Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1981. 318 págs.

POEL, Francisco van der. Os Homens da Dança. Religiosidade Popular e Catequese. São Paulo, Ed.Paulinas, 1986. 56 págs.

Reflexões em Torno de Três Histórias
Cáscia Frade

Esta comunicação pretende apresentar reflexões sobre as histórias de vida de três pessoas - Felipe, Paulo e Jozué. Uma criança, um jovem, um adulto. Distantes no tempo e no espaço, nunca se viram nunca se falaram. Um jamais soube da existência dos outros. A vida, porém, ao traçar suas trajetórias, estabeleceu pontos de convergência. Foram marcados por limitações que os tonaram diferentes: uma de ordem neurológica; outra, emocional; outra, física. Vivendo em suas comunidades de origem, apresentavam dificuldades em desempenhar a maioria das atividades desenvolvidas pelos indivíduos que compunham seus grupos de idade. Sofriam pela indefinição de seus espaços sociais e o consequente sentimento de não pertencimento a nenhum segmento social. Graças à interferência de pessoas da própria comunidade - um professor oficial e dois mestres populares, cada um por sua vez - um mundo de afeto, de aconchego, mágico e lúdico, despontou. Paulo viu reconhecida sua habilidade em lidar com materiais cerâmicas; Felipe pode revelar sua capacidade expressiva através da dança; Jozué integrou-se a seu grupo através da participação em rito tradicional. A cultura popular assim tornou possível a emergência do potencial criativo, que aproxima e inclui homens no universo expressivo da arte.

TEORIA E PRÁTICA EM ARTE-EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Laís Aderne

De 1961 a 1964 participei de uma experiência aberta de Arte e Educação com jovens na Escolinha de Arte do Brasil, de Augusto Rodrigues, tendo como diretora pedagógica Noêmia Varela e contando com a orientação da Dra. Nise da Silveira da área de Psicologia. Em paralelo a este trabalho, assumi o curso de xilogravura para jovens e adultos. Nessas duas experiências de trabalho integramos alunos portadores de necessidades especiais (excepcionais ou com distúrbios mentais, auditivos ou múltiplos).

Essas experiências marcaram minha vida profissional e me fizeram refletir sobre o papel da Arte no desenvolvimento das diferentes funções psíquicas de cada indivíduo; atuando, assim, no campo do consciente, subconsciente e inconsciente; possibilitando a manipulação e, até mesmo, o domínio das funções predominantes e opostas de cada aluno, de acordo com as teorias de Carl Gustav Jung; descobrindo que integrar alunos regulares com portadores de necessidades especiais favorecia o crescimento e o desenvolvimento de todo o grupo de forma espantosa.

Enfocando alguns casos especiais:

•. Um jovem de 12 anos chegara à oficina com grande perda auditiva causada por choque de penicilina e ao ser apresentado ao grupo tapou os olhos e ouvidos com as mãos, mostrando literalmente sua falta de vontade de nos ver e ouvir. Suas pinturas não apresentavam casas ou figuras humanas e seus céus tinham cores escuras como o marrom, mas estas características caíram por terra em cerca de 2 meses, quando passou a ser como um relações públicas para o grupo. No final do ano tinha recuperado 40% da audição e seu último trabalho foi uma xilogravura com casario de portas e janelas abertas e uma ciranda com crianças.

•. Um jovem surdo-mudo e esquizofrênico estava tão integrado ao grupo que fazia questão de participar dele efetivamente. Nas comemorações de final de ano, quando uma aluna trouxe poemas seus para declamar ele fez sinal com a mão para que esperasse e sentou-se ao piano começando a tirar acordes tão maravilhosos, enquanto acompanhava os lábios da colega, que todos ficaram emocionados e intrigados, questionando se ele estudava ou não piano.

Apoiada nessas e em outras experiências, nos pressupostos teóricos e na leitura de mundo de Ferdinand Tönnies (Comunidade e Sociedade); de Jung (as funções psíquicas, o inconsciente pessoal e coletivo e os arquétipos); de Fritjof Capra e Gregory Bateson (o pensamento sistêmico, o princípio dinâmico da auto-organização e a visão da realidade); de Mac Lean e W. de Gregory (o cérebro triádico e os princípios da cibernética social) criamos nossa concepção de Educação e Informação para a inteireza, que chamamos de Teoria e Prática da Interatividade.

Essa concepção, como a nova ciência, deverá ser sistêmica integrando as diferenças através do uso das três partes do cérebro, buscando ampliar o seu percentual de uso, restrito a cerca de cinco por cento, especialmente a partir do lado direito, criativo e sensível. Essa busca leva à interação dos opostos através de métodos construtivos, apoiados pelas teorias do cérebro triádico acima citadas, e de propostas multiculturais aliadas a uma prática transdisciplinar.

Dessa forma a arte-educação inclusiva e a alfabetização estética se confundem neste novo momento com a eco alfabetização, preconizada pela Ciência Nova, envolvendo a pedagogia, a arte, a ciência e a tecnologia a serviço da formação de todos os cidadãos, sem exclusão, conscientes de seus direitos/deveres e sua relação de seres pertencentes à natureza, com o restante do universo.

Tudo isto é ainda uma incógnita para este jovem homem, quase recém-nascido, de um milhão de anos, que precisa desvestir sua couraça metálica e reconhecer-se como uma criança, que precisa aprender sobre si mesmo e sobre o universo do qual faz parte, como parcela integrante desse sistema terrestre.

A atual fragmentação e distorção do sistema de educação e de informação, que impede este aprendizado, está centrada no que Paulo Freire afirmou como sendo o maior problema da Educação Brasileira: “a dicotomia entre o fazer e o pensar, entre a prática e a teoria”. Acrescentamos a essas áreas citadas por ele o “sentir”.

Na Teoria e Prática da Interatividade consideramos que restabelecer a difícil relação entre fazer, pensar e sentir é o primeiro passo em direção aos novos paradigmas de uma educação e informação inclusivas que desencadearão a necessária mudança do velho para o novo momento da humanidade, construindo uma sociedade para todos.

A nova visão científica é conectada com as filosofias e tradições e mostra que os sistemas vivos são todos integrados, desde a menor bactéria aos animais e vegetais maiores, até o homem e o planeta terra. Portanto, não são apenas integrados os sistemas isolados, como o corpo humano ou o grão de cevada, mas também os sistemas globais, como a floresta, a família, a comunidade e a sociedade, tão referenciados por Tönnies em sua leitura de mundo. Trabalhamos a interação dessas diferentes partes dos sistemas globais humanos a partir de uma educação voltada para o autoconhecimento e a percepção do outro e do meio e rompendo as necessárias barreiras que nos impedem de entrar neste ponto de mutação.

A arte, como carro chefe do processo de desenvolvimento das grandes civilizações, tem papel de destaque nessa educação integradora e transformadora. Este é o início da grande aventura da autodescoberta e do respeito às diversidades; nessa aventura o papel da Arte é criar situações no processo de educação que instiguem a curiosidade, a dúvida e o espírito de pesquisa, a percepção, a sensibilidade... enfocando a estética, a ética e a ecologia como eixos norteadores desse exercício da cidadania solidária e do princípio da “Unidade na Diversidade”

TEORIA E PRÁTICA EM ARTE-EDUCAÇÃO INCLUSIVA PALESTRA
Roberta Puccetti Polizio Bueno

A necessidade emergente de análise no processo educacional e na qualidade de ensino está presente e vem sendo foco de atenção, estudos e pesquisas.

Este trabalho objetiva abordar pontos relevantes que envolvem a formação dos profissionais, considerando-a como processo, enfatizando a relação entre teoria e prática e a formação contínua.

Aponta a Arte-educação e sua importância no processo de ensino e aprendizagem, bem como na construção do conhecimento inserido em uma concepção de educação inclusiva. Ressalta a extrema importância de vincular e relacionar a problemática da dicotomia entre teoria e prática a uma conceituação de formação. Propõe estruturas para discussões sobre a formação dos profissionais e o delineamento dos objetivos estruturais e conceituais que regerão e fundamentarão a formação do futuro professor para o ensino das Artes.

A principal meta do estudo é a formação do professor de artes, incluindo os profissionais da educação especial. Visa reflexões e discussões referentes a esta formação, tendo como pano de fundo o papel e a importância da arte na formação integral do indivíduo.

A formação de professores é vista de uma maneira mais ampla e abrangente quando a consideramos como processo, processo esse que envolve e engloba o sujeito como um todo. Elege -se, portanto, um processo inclusivo e dinâmico.

Logo, se a formação está ligada ao ser ativo, está indissociável da experiências, vivências e troca de investigações diretamente articuladas, as quais constituem “ bagagem “ para formação.

Deste modo, a formação passa pela inovação e pela transformação. O profissional competente possui a capacidade de autodesenvolvimento reflexivo, de ação e reação, reflexão e mudança-transformação contínua.

Há necessidade de uma formação mais ativa, contínua e inclusiva, sobretudo de ação e transformação.

Ressalta-se aqui, para tanto, a importância da conscientização dos docentes, dos profissionais, e das instâncias administrativas, quanto à relevância da arte na formação da cidadania e de sua contribuição no processo de desenvolvimento humano e histórico, a necessidade de ação – transformação.

Para isso, enfatiza-se a arte como objeto de pesquisa, de estudos e experimentações, integrando- a teórica e praticamente, inserindo-a numa concepção de educação inclusiva.

Como a formação não termina na graduação, a formação contínua é uma oportunidade histórica desencadeadora das relações entre o social, profissional e as instituições. É um processo que inter-relaciona a prática<->conhecimento<->prática, processo dialético e necessário para uma prática docente efetiva. As reflexões sobre a dicotomia, entre teoria e prática e suas relações devem primeiramente passar pela conceituação e visão de formação. Necessita, por conseguinte, o Ensino da Arte, na formação do profissional, estar contemplando essas relações para desencadear a necessidade de conhecimento, pesquisa, experimentação e ação, estabelecendo assim, relação entre ensino e aprendizagem.

É partindo desses pressupostos que enfatizo a relação entre arte e educação na concretização e importância da arte como forma, a intelectualidade da Arte, a arte como construção, como linguagem, estas questões estão relacionadas com as concepções sociais, ideológicas, filosóficas, articuladas a uma concepção de mundo.

Para tanto, a educação, especialmente no campo artístico, não é uma atividade neutra, mas envolve expressão pessoal de valores, sentimentos e significações, estando presente, na relação entre cognição e linguagem. A linguagem é a manifestação do pensamento e tem um papel constitutivo da cognição. No entanto, pensamento é comportamento, o comportamento opera sobre o meio por intermédio da linguagem verbal ou não-verbal. Considera-se linguagem como representação da ideia interagindo com a percepção e cognição. A cognição envolve expressão, interpretação, compreensão e transmissão como funções representativas da linguagem - comunicação. A linguagem é derivada das lógicas do pensamento – da função simbólica ou semiótica e da capacidade de representar.

Contudo, verifica-se a relevância da reflexão sobre o ser, o seu desenvolvimento, não apenas como processo de evolução, mas considerando os aspectos que o envolvem: o cérebro e a mente na sua corporeidade nas capacidades de adaptação, a linguagem e o seu papel constitutivo e de expressão, no conceito de pensamento e cognição do indivíduo, de ensino e aprendizagem projetando a transformação.

Inserida em um processo histórico - social, a Arte se relaciona com o processo educacional de forma dinâmica. A ação pedagógica do ensino de Arte está impregnada de concepções envolvendo uma formação teórica que pressupõe uma concepção de homem e de mundo, envolvendo questões desde a sua existência, processos vitais e cognição, inteligência, passando pela comunicação, informação, conhecimento, permeando a construção de um novo paradigma, chegando à aprendizagem e às relações que envolvem o aprender e o aprendiz.

Essa relação do real (contextual) com o saber implica na construção do conhecimento, do conhecimento significativo, que se faz partindo do estabelecimento de relações. Acredita-se na construção do conhecimento, no qual o ensino - aprendizagem se faz partindo do sujeito, de sua realidade contextualizada e, dentro dessa, a formação se faz considerando e valorizando o ser global, um ser social, cultural, histórico, criativo e transformador.

É nessa visão que arte não é uma atividade neutra.

A mudança de paradigma nos remeterá a possíveis reformulações da concepção de homem, de mundo, de educação, constituindo um novo olhar para o ensino de arte nos conduzindo à uma reflexão da ação, permitindo a real relação entre teoria e prática.

Segundo Varela, “O conhecimento se constrói sobre a base de um novelo de ações e é sobre a lógica desse entremeado de ações que é preciso agir para poder, justamente, abri-lo para a flexibilidade e a transformação”. Essa ação incorporará uma mudança de olhar, uma ação imersa em expectativas, transpondo os desafios, repleta de ousadia. Isso nos remeterá também à necessidade de lançarmos, sobre o aluno e o professor um olhar que nos permitirá conhecê-los além, nas suas diferenças, como sujeitos que, interagindo com seus interlocutores, apropriam-se de formas culturalmente organizadas de ação, constituindo-se sujeito de seu próprio desenvolvimento, capazes de utilizar-se da arte para tal, e assim atribuindo-a seu real papel.

ACESSIBILIDADE AOS ESPAÇOS ARTÍSTICOS E CULTURAIS
Verônica Camisão

Hoje, demanda-se cuidado especial para que os espaços destinados a manifestações artísticas e culturais e os próprios objetos de arte em si, sejam acessíveis a um público cada vez mais amplo.

Passamos a considerar por exemplo, que as peças expostas em um museu possam ser apreciadas por crianças, levando-se em conta sua estatura e que uma exposição de pinturas deva ser compreendida por uma pessoa cega.

O Espaço Museu da Vida, na Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, foi concebido para informar e educar em ciência, saúde e tecnologia, de forma lúdica e criativa, através de exposições permanentes, atividades interativas, inclusive em grandes áreas ao ar livre, multimídias, teatro, vídeo e laboratórios. A análise sobre a acessibilidade solicitada pelo próprio museu, um espaço interativo de ciências, com tal amplitude e riqueza de propostas, tornou- se um interessante desafio para o

Centro de Vida Independente do Rio de Janeiro, que enfocou o projeto através do reconhecimento das diferenças físicas e sensoriais entre os indivíduos e as modificações pelas quais passa o nosso corpo desde a infância até a velhice. Com este olhar, estudou-se cada espaço, atividade e equipamento, percebendo suas possibilidades para um público diversificado e sobretudo, real: uma pessoa idosa que enxerga pouco, uma pessoa em cadeira de rodas, uma criança surda.

Lidamos com diferentes níveis de possibilidades. Há o espaço tombado historicamente- com exigências a serem contornadas; o recém construído- muitas vezes sem acesso; e o que se encontra em fase de projeto, oferecendo todas as oportunidades. O Espaço Museu da Vida se apresenta como um projeto arrojado no panorama da educação e da cultura científica nacional. A análise de acessibilidade, a ser implantada, pretende conferir subsídios para que as instalações do Museu potencializem ao máximo seu aproveitamento pelo público.

De modo geral, buscam-se nos museus, algumas diretrizes que garantam acesso e interação de maior gama de visitantes:

· Como matéria-prima, a informação deve ser assegurada a todos os visitantes, inclusive às pessoas com deficiência visual, auditiva ou motora. Esta deve ser a prioridade, garantindo-se também seu acesso a todo material informatizado.

· Devem haver mapas táteis, material em braile e sistema de audiotape explicativo ao longo do circuito das exposições.

· Tão importante quanto a acessibilidade do espaço, é a recepção adequada ao usuário com necessidades especiais, e nos referimos a todos os funcionários que lidam com o público, sem exceções.

· Em licitações ou concursos, para projetos e layouts de museus e exposições deverá ser exigida a observância das normas técnicas de acessibilidade, como pré-requisito.

Acessibilidade, bastante difundida em alguns países, ainda é assunto recente no Brasil, mesmo nas grandes cidades. Lidamos com barreiras acumuladas há anos por nossa cultura e às vezes conseguimos apenas suavizá-las. Percebemos como, com alguma informação adicional prévia, fantásticas instalações e exposições nacionais e internacionais seriam aproveitadas por um maior número de pessoas e como com pequenas modificações, muitas delas podem tornar-se plenamente adequadas.

ACESSIBILIDADE AOS ESPAÇOS ARTÍSTICOS E CULTURAIS
Louise Ritzel

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan tem a responsabilidade constitucional e legalmente definida de valorizar, promover e preservar bens tombados, dentre os quais se incluem espaços artísticos e culturais, representados por imóveis isolados, sítios e conjuntos históricos e sítios arqueológicos e naturais.

Os espaços artísticos e culturais, protegidos para as gerações atuais e futuras, constituem-se fonte de experimentação estética e de conhecimento e compreensão do passado e do presente.

A experiência e o contato direto com as evidências e as manifestações da cultura, proporcionam aos cidadãos tornarem-se sujeitos ativos no processo de conhecimento e apropriação, estimulam a conscientização da importância do nosso patrimônio cultural e a corresponsabilidade por sua preservação e guarda.

Para a compreensão dos bens culturais, uma parcela da população, a de portadores de deficiência, argumenta com razão que, em primeiro lugar, é necessário que todas as pessoas possam dispor de acesso físico irrestrito às edificações, sítios e seus acervos.

O Iphan reconhece a sua responsabilidade em garantir a efetividade do direito de conhecimento e fruição dos bens culturais pelas pessoas portadoras de deficiência.

O tratamento da questão é promovido, realizando uma abordagem refletida e estruturada para uma progressiva eliminação de barreiras em edificações e sítios urbanos, de forma que não acarrete a descaracterização desses bens nem ameace a sua integridade estrutural.

Com vistas a deflagrar um processo de enfrentamento desta questão, o Departamento de Proteção do Iphan elaborou uma proposta de plano de ação interdepartamental, que foi bem acolhida e aprovada pelas unidades do Instituto.

O objetivo desse Plano de Ação é realizar ações integradas com a participação das diversas áreas do Instituto, de modo a incorporar a questão acessibilidade na prática institucional.

Uma Instrução Normativa, que define diretrizes, critérios e recomendações para promover condições de acessibilidade universal aos bens culturais imóveis, foi elaborada por um grupo de trabalho interdepartamental, com base em manuais, legislação e outros documentos nacionais e internacionais.

Esse normativo recebeu valiosas contribuições externas, em especial no decorrer do Curso e Encontro Técnico sobre Acessibilidade – Turismo e Patrimônio Cultural Tombado, organizado e realizado em Brasília, em novembro de 1999, pela Coordenadoria Nacional de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, do Ministério da Justiça e pelo Real Patronato de Prevención y de Atención a Personas com Minusvalia, da Espanha.

Inicialmente, instrumentos de análise e de acompanhamento serão elaborados para a realização de diagnósticos sobre as condições de acessibilidade, real e potencial, em bens culturais imóveis e registrá-los por ocasião de inventários.

Os grupos representativos e qualificados nos aspectos sociais relativos à questão das pessoas portadoras de deficiência deverão participar do processo de intervenção em acessibilidade, com vistas a identificar e responder às preocupações da comunidade e elaborar em conjunto alternativas e avaliar ou revisar a aplicação de soluções técnicas.

Os imóveis serão adaptados gradualmente, de acordo com a disponibilidade de recursos e com a ordem de prioridades estabelecida pelas Superintendências Regionais.

As propostas deverão basear-se em levantamentos: histórico, físico, iconográfico, que indiquem a forma de promover adaptações ou ajustes que sejam compatíveis com o imóvel, resguardem a sua integridade estrutural e impeçam a descaracterização do ambiente natural e construído.

Na medida em que os estudos indicarem, as intervenções em acessibilidade deverão objetivar garantir às pessoas portadores de deficiência:

- Percorrer todos os espaços de uma edificação, sítio ou conjunto histórico, por meio de um percurso contínuo e chegar ao local de destino;

- Participar de todas as atividades abertas ao público.

Nos casos em que os estudos indicarem áreas ou elementos em que não seja possível promover alterações no imóvel inviabilizando adaptações deve ser garantido o acesso virtual, por meio de informação visual, auditiva e tátil de áreas ou elementos com impedimento de acesso.

As intervenções do Instituto relativas à acessibilidade serão realizadas, através de um novo paradigma de desenho, universal, já adotado em diversos países, também na área do patrimônio cultural e que busca atender a formas integradoras de convivência.

RESUMO DO CONTEÚDO DA APRESENTAÇÃO DA OFICINA “ BRINQUEDOS ARTESANAIS”
Marta Graciela Pereyra Rossiello Fonoaudióloga - Gerente de Projetos

Marlene Morgado - Pedagoga

1. Brinquedo- Desenvolvimento e aprendizagem.

A importância de brincar

Significado do brinquedo para a criança

Desenvolvimento da linguagem

Desenvolvimento da sociabilidade

O brinquedo e as deficiências

2. Sucata - Desafio à criatividade

Conhecendo suas possibilidades

A coleta da sucata

A limpeza do material

O armazenamento

3. Critérios para escolha de brinquedos

Interesse

Adequação

Apelo à imaginação

Versatilidade

4. Trabalho prático

Construção de brinquedos artesanais

OFICINA DO TEATRO POPULAR - DINÂMICA
Alexandre Santiago

O Teatro Popular recupera, fundamentalmente, a identidade cultural do indivíduo e do coletivo. Para que essa técnica possa ser bem desenvolvida é necessário conhecer a realidade dos vários segmentos da comunidade em que atuamos: costumes, raízes musicais, alimentação, posição geográfica etc, para que o texto possa ser adaptado. É uma técnica participativa onde cada um contribui para que a ação a ser desenvolvida seja bem-sucedida.

Oficina

Dinamizador: Alexandre Santiago - Ator

Teatro Popular - uma contribuição efetiva para um planejamento educacional dinâmico.

Desenvolvimento do Trabalho

1 - O teatro - sua origem e suas representações

2 - Teatro improvisado na escola e na comunidade

3 - Teatro Temático

4 - Expressão corporal

5 - Improvisação de cenário

6 - A importância da maquiagem - escolha e uso do material na caracterização dos personagens

7 - Adequação ao roteiro musical

8 - Dramatização

Programação: SÓLAZER - O CLUBE DOS EXCEPCIONAIS

Oficina: Máscaras

- Histórico; Simbolismo; Criação

- Uso na Educação, na Arte e no Lazer

- Dramatização

- Técnicas de Confecção

• Recortes de perfis em papel

• Modelagem com massas ou argila

• Modelagem e cópia com papel

• Modelagem com gaze gessada

Objetivos:

- Estimular o desenvolvimento de habilidade

- Desenvolver o potencial criativo dos participantes na Escola para Todos

CONCLUSÃO DO VIII FÓRUM NACIONAL DO ENSINO DE ARTE

FEDERAÇÃO DE ARTE-EDUCADORES DO BRASIL - FAEB
Os arte-educadores reunidos no VIII Fórum Nacional do Ensino de Arte da Federação de Arte-Educadores do Brasil, realizado no dia 09 de novembro de 2000, na cidade da Brasília, como parte do V Congresso Nacional de Arte-Educação na Escola para Todos, vêm apresentar as conclusões do Fórum e solicitar às Entidades Oficiais providências no sentido de corrigir distorções constatadas na implementação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no que se refere ao Ensino de Arte (art.26§ 2º).
1) A nomenclatura que ficou estabelecida pela LDB e os Parâmetros Curriculares Nacionais para a área é ARTE. Equivocadamente, a Resolução CEB nº 2 de 07 de abril de 1998, mantém a denominação Educação Artística para o Ensino de Arte, contrariando a Lei e os Parâmetros.
2) A obrigatoriedade do Ensino de Arte, também estabelecida pela LDB, está ameaçada pela interpretação distorcida que a ela vêm dando alguns Conselhos Estaduais, por exemplo, introduzindo a Arte apenas no primeiro ano do ensino fundamental e no primeiro ano do ensino médio, descumprindo a expectativa da Lei.
3). Também, equivocadamente, em nome da interdisciplinaridade, as Secretarias de Educação estão determinando que professores de História, Língua Portuguesa ou Literatura assumam os conteúdos de Arte, que precisam ser trabalhados por professores especialistas nas linguagens artísticas específicas, Artes Visuais, Música, Teatro e Dança, como preconizam os Parâmetros Curriculares Nacionais.
4) A pluralidade cultural, característica marcante do povo brasileiro, precisa ser tratada em sua verdadeira dimensão de interculturalidade, envolvendo os aspectos raciais, étnicos, de gênero, assim como diferenças físicas, mentais e sociais. Propicia-se, assim, uma educação realmente inclusiva.
5). É preciso ser dada atenção à formação inicial e permanente do professor, para que o Ensino de Arte apresente a qualidade necessária e específica das linguagens artísticas. Da mesma forma, no momento em que a Educação Inclusiva está sendo implementada, é necessário que os Cursos Superiores incluam, na estrutura curricular, uma disciplina que aborde a questão da Educação Especial. Reiteramos nosso pedido de atenção e providências aos Órgãos Oficiais das várias instâncias, para a correção das distorções e enfatizamos a necessidade de medidas que viabilizem a real qualidade do ensino.
Brasília, DF. 10 de novembro de 2000%HOTWORDFINALDOTEXTO%

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